Crítica
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Sinopse
Em Um Fiasco de Férias, tentando se aproximar dos filhos, um pai viciado em trabalho organiza uma viagem em família para a costa de Durban, na África do Sul. Mas, na verdade, ele tem uma reunião de negócios. Mesmos responsáveis por Solteiramente (2020).
Crítica
Joseph (Kenneth Nkosi) é o típico workaholic que não tem tempo para cuidar direito dos filhos. Divorciado e na berlinda profissional por conta do corte de custos na empresa onde trabalha, ele é obrigado a desviar a rota da tão aguardada viagem de férias a um local paradisíaco e ir (sem que ninguém saiba de suas reais intenções) a uma convenção que pode salvar o precioso emprego. Esse é o protagonista de Um Fiasco de Férias, comédia sul-africana produzida pela Netflix e lançada globalmente no catálogo da gigante do streaming. Para começo de conversa, família vivendo confusões durante uma viagem de férias remete diretamente a Chevy Chase e companhia em Férias Frustradas (1983), uma bobagem deliciosa (e muito bem feita) que embalou gerações de espectadores da Sessão da Tarde da Rede Globo de televisão. No entanto, o resultado dessa vez não poderia ser mais genérico e derivativo – além de completamente sem graça. Primeiro, porque as situações criadas pelo roteiro giram exclusivamente em torno de modelos, estereótipos e arquétipos há muito defasados. Os personagens têm, no máximo, duas características principais. Mas, a maioria tem apenas uma, mesmo. Por exemplo, a nova esposa do protagonista é somente a mulher odiada pela ex que não se conectou ainda com os filhos do marido. As crianças são estritamente o influencer, a tímida quase adulta e a menina empolgada.
Na comédia, é comum a utilização de arquétipos, ou seja, de personagens moldados a partir de protótipos. Então, o problema não está diretamente atrelado à utilização desses modelos de personalidade, mas à maneira displicente com a qual a cineasta Rethabile Ramaphakela lida com eles. Por exemplo, as particularidades dos filhos de Joseph não são aproveitadas para gerar situações embaraçosas, engraçadas ou mesmo a fim de espelhar em alguma medida as atitudes atrapalhadas do pai. A timidez da mais velha serve somente para criar um respiro descartável na viagem – quando ela encontra o seu pretendente. É engraçado? Não. Significa alguma coisa dentro do contexto geral do filme? Também não muito. E isso se repete com todos os outros coadjuvantes, inclusive com a esposa interpretada por Lunathi Mampofu. Ela aparentemente será uma peça fundamental do aprendizado do protagonista, mas acaba construída como um suporte emocional. Quase como se fosse um acessório de fábrica da jornada masculina. Mesmo Joseph é moldado de acordo com a necessidade da caminhada rumo à lição de moral. Seu apego excessivo pelo trabalho é fragilmente justificado por lembranças repetitivas da infância pobre. Se o filme não tem graça, se cai naquele limbo de “nem divertido, tampouco reflexivo”, por que não trabalhar um pouco melhor esses subtextos que aparecem de vez em quando na história?
É valiosa a oportunidade de assistir a um filme sul-africano lançado comercialmente no Brasil. Há alguns anos eram raríssimas as obras de cinematografias periféricas rompendo as restrições do mercado sequestrado pela lógica norte-americana/eurocêntrica e desembarcando nas nossas telonas. Com o advento do streaming, algumas barreiras caíram, mas será que isso significa algo imediatamente positivo? Um Fiasco de Férias se passa na África do Sul e foge de qualquer estereótipo de pobreza atrelado ao país e ao continente. Ponto positivíssimo. No entanto, ele acaba reproduzindo os tiques de linguagem e de abordagem do cinema norte-americano, requentando modelos e estratégias narrativas, provavelmente, para tentar se comunicar com as plateias do mundo inteiro. Ponto negativíssimo. Não pela tentativa de ser universal, mas por conta da repetição despersonalizada de uma linguagem, o que anuncia a sua submissão à abordagem hegemônica imposta como padrão a ser seguido em busca de sucesso. A trama poderia facilmente ser deslocada para qualquer país sem a necessidade de adaptações étnicas ou territoriais, justamente porque tem uma pegada pasteurizada. Não há nada nos personagens que nos diga um pouco sobre a cultura e a sociedade sul-africana. Nenhum detalhe que crie uma camada própria. Além disso, os conflitos são superficiais e carregam consigo promessas de êxito.
Se há um subtexto em Um Fiasco de Férias, mais precisamente na caminhada do protagonista, é a importância do equilíbrio. Nem tanto se dedicar ao trabalho, menos ainda o negligenciar. Note que o ponto de vista principal é o do pai acusado de ser ausente pelos filhos, não o contrário. Então, quem precisa aprender alguma coisa (e ganhar) é Joseph, mesmo depois de uma série de erros mal formulados pelo filme. Mas, ainda assim, a diretora e roteirista Rethabile Ramaphakela afirma que a esposa, a ex-esposa e os filhos também precisam compreender a importância de todo empenho do workaholic, em meio a isso quase julgando seus coadjuvantes por serem hipócritas (reclamam do homem atarefado, mas gozam de todos os privilégios de seu dinheiro). De toda forma, nem esse discurso torto e questionável ganha algum tipo de relevância numa história cuja prioridade é tentar entreter o espectador com ocasiões para lá de conhecidas e extrair alguns risos de tantas “cagadas” de Joseph e sua família fazem na estrada. Rethabile Ramaphakela enfileira instantes sem timming cômico, interrompe abruptamente situações que poderiam ser engraçadas se melhor elaboradas, sabota qualquer interesse humano e aposta todas as suas fichas na construção da lição de moral. A comédia geralmente pode trazer à tona a fragilidade dos personagens, inicialmente os ridicularizando, mas posteriormente servindo para representar as falhas com alguma leveza. O que vemos aqui é um filme sem graça. Só isso.
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