Sinopse
Peter tem uma rotina agitada. Mas nada o preparava para algo que muda completamente a sua vida já tão atribulada. A sua ex-esposa aparece com o filho do antigo casal, um adolescente revoltado que se recusa a ir para a escola.
Crítica
É curiosa a opção nacional para o título de Um Filho. Ao fazer uso de um artigo indefinido, retira-se da denominação a unicidade presente no original The Son (em tradução direta, O Filho). Pode parecer mero detalhe, mas é um que acaba por fazer diferença. Pois não se trata de um descendente qualquer, de alguém escolhido a esmo, ou mesmo de um indivíduo que termine por representar tantos outros em idêntica situação. Pelo contrário, o drama enfrentado por Peter é bastante pessoal, e se encontra reflexos em sua própria trajetória – espelhando no seu eu de ontem o dilema vivido pelo garoto de hoje – essa é uma referência mais forçada do que natural. O mesmo problema de batismo havia sido percebido pelos mais atentos no longa anterior do diretor Florian Zeller, o muito mais bem-sucedido Meu Pai (2020) – The Father, ou O Pai, no original. Se antes optou-se pela posse, fazendo de uma condição passível de identificação uma imagem da qual se tem acesso apenas por uma representação particular, dessa vez o movimento é contrário, enfraquecendo um problema de muito maior alcance do que a narrativa se esforça em levar ao entendimento do espectador.
Por mais que Peter (Hugh Jackman, fazendo o mínimo que se poderia esperar de um ator da sua estatura, transitando por zonas de conforto sem ousar além do que o personagem exige) tenha seus problemas com a paternidade, ele tem se mostrado comprometido em buscar uma nova chance. Essa está presente através do segundo casamento, dessa vez com Beth (Vanessa Kirby, com apenas duas ou três cenas de maior destaque, na maior parte do tempo ausente ou sem muito o que fazer), e o bebê recém-nascido que tiveram juntos. Porém, é sabido que só se busca melhorar naquilo no qual já se tenha fracassado antes, e no caso a relação é com a família anterior deste homem, representada na ex-mulher, Kate (Laura Dern, a melhor do elenco, ainda que merecesse mais espaço), e o filho deles, o jovem Nicholas (Zen McGrath, de Marcas do Passado, 2014). Estes dois mundos – o antes e o agora – se reencontram por meio de um pedido de socorro: Kate não sabe mais o que fazer com Nicholas, e precisa que o pai intervenha.
O quadro inicial leva o espectador a crer que se trata de um pai ausente, que tenha simplesmente trocado uma estrutura familiar pela outra. Porém, não é bem assim que eles reagem entre si a partir da retomada de contato. Quando Kate bate à porta de Peter, ele o recebe quase às escondidas, preferindo conversar com ela no corredor, sem a convidá-la a entrar em sua nova casa. No entanto, rapidamente um estará frequentando os ambientes – doméstico, profissional, social – do outro, ambos engajados pela mesma causa: a saúde mental do garoto fruto do amor que num passado não muito distante compartilharam. Nicholas está atravessando um óbvio estado de depressão, que pode acarretar um quadro clínico gravíssimo. Os sinais que vem dando são visíveis: tem faltado à escola, fica caminhando pela cidade sem rumo, não se abre com os pais, oferece apenas respostas evasivas à mãe (quando se justifica, após muita cobrança), e se revela gravemente ressentido com o pai. Este viés simplista, portanto, acaba por ser o mais problemático: seu argumento para o que sente resume-se apenas a um suposto “abandono” paterno.
Como se não bastasse essa argumentação rasa, prejudicada por uma direção que está mais interessada no discurso do que nas reações entre os envolvidos e o que cada um tem a dizer e fazer a respeito, a narrativa se encarrega de ser ainda mais explícita. Como consequência, trata de enfiar a cada instante uma série de flashbacks esteticamente perfeitos, porém que mal riscam a superfície da história a qual deveria se ocupar – se eram tão felizes, por qual razão esse cenário paradisíaco se desfez? E, para piorar, inserem um trecho que nada tem a acrescentar ao enredo além de reforçar a ideia de que “um é consequência do outro”, ou seja, talvez Peter não seja um bom pai porque o seu próprio não lhe serviu de exemplo. Ou pior, Nicholas estaria falhando enquanto filho justamente pelo fato de Peter não ter tido como desfrutar dessa posição, uma vez que foi obrigado a amadurecer antes do tempo pela negligência paterna. Quando Anthony Hopkins entra em cena, é para se mostrar não mais do que como um estereótipo, por mais que esse pai arrogante e autoritário seja a figura mais interessante da trama – é de se imaginar o quanto teria rendido um filme inteiro sobre sua história, e não sobre o drama redundante dos seus descendentes. Mas o tempo é curto, e uma vez cumprida tal função, rapidamente é descartado, para não mais voltar.
Enquanto Hugh Jackman fica se esforçando para soar como um homem comum – escondendo músculos e postura atlética – e suas mulheres – tanto Kirby quanto Dern – são relegadas a uma postura coadjuvante, o naufrágio se confirma diante da interpretação chorosa e caricata do jovem McGrath, incapaz de motivar convencimento em seu retrato de menino chorão porque papai não gosta mais de mamãe. Diálogos como “você precisa parar de se cortar, pois cada vez que se machuca, é como se a ferida fosse em mim. [Peter] E você, cada vez que entristecia a mãe, é como se me machucasse [Nicholas]”, são tão ridículos que beiram o risível. A postura do garoto, aliada a uma condução unidimensional, reduzem um debate urgente e necessário a uma condição quase alegórica. Para completar o desperdício, o desfecho, que busca um jogo de perspectivas semelhante ao visto no citado Meu Pai, enterra de vez qualquer esperança de melhora ao se contentar em apenas reviver uma fórmula que não merece ser desgastada gratuitamente. Um Filho fala sem a devida profundidade sobre um assunto muito sério, e é essa leviandade a mais grave das suas falhas.
Filme visto no voo Alemanha – Brasil em março de 2023
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