Crítica


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Sinopse

Cléo quer fazer seu primeiro filme e para isso pede ajuda de Michel e Patrícia. Cléo decide se inspirar na Nouvelle Vague francesa e utilizar a cidade do Rio de Janeiro como se ela fosse a sua Paris.

Crítica

Um Filme Francês, do diretor Cavi Borges, inexistiria sem Godard e Truffaut, sem o cinema da França. Não apenas por conta do título isso se torna evidente. A fotografia em preto e branco e o relacionamento amoroso triangular são alguns dos sintomas da homenagem solidificada no decorrer da trama. Três personagens, a diretora Cleo (Patricia Nidermeier) e os atores Michel (Erom Cordeiro) e Patrícia (Juliana Terra), perambulam pelo Rio de Janeiro buscando inspirar-se para a realização de um longa-metragem. O filme dentro do filme fala sobre um encontro mediado pela urgência, dois amantes separados pela vida que se reveem com hora marcada para novamente se desencontrar. Vemos os ensaios e a tentativa de chegar, por meio da interpretação, a um registro que combine a fluência do cotidiano e a beleza da poesia.

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A câmera de Cavi Borges aspira à liberdade, evita deter-se nos limites impostos pelo quadro, indo ao encontro de momentos de felicidade, de pequenas epifanias que trazem essência ao cotidiano. Em meio a isso, Michel e Cleo se envolvem, explorando no corpo um do outro o desejo que pode ter surgido como efeito colateral do processo de construir uma paixão fictícia. Um Filme Francês vai contra a tendência do cinema comercial formatado para ganhar público e justificar-se na bilheteria. Obra de amador, no sentido de ser claramente feito por quem ama o cinema e suas heranças, é uma espécie de tributo nutrido pelos espólios afetivos e intelectuais da sétima arte. A profusão de referências alimenta a fluência narrativa antes de, infelizmente, virar muleta.

Um Filme Francês não escapa de certas armadilhas. Na medida em que o filme dentro do filme perde importância, passando a ser somente um apêndice na dinâmica relacional, a realização de Cavi se torna refém das citações e, portanto, corre o risco de restringir-se aos que de antemão sabem a que diretor ou a que filme determinada cena faz alusão. Aos cinéfilos conhecedores do cinema francês sobram momentos de deleite, como a execução de Baisers Volés, música-tema de Beijos Proibidos (1968), a corrida na passarela que remete a Jules e Jim: Uma Mulher para Dois (1962) e a dança similar a de Banda à Parte (1964). Mas os aspectos da concepção, que no início acrescem complexidade à declaração de amor, se perdem na teia de afetos e quereres propostas para unir os personagens principais num âmbito mais pessoal.

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Cavi Borges, produtor de destaque no circuito independente, utiliza a base de sua formação cinéfila na estreia como diretor. O filme flui muito bem enquanto se apropria da criação alheia organicamente, não se deixando asfixiar. O protagonismo crescente das homenagens, porém, expõe o conteúdo frágil ao largo dos ensaios e das filmagens. O mulherengo Michel encontra nos braços da diretora e posteriormente nos da colega de elenco instantes de prazer e contemplação existencialista. Elas, por sua vez, propositalmente não se expõem tanto, algo que compreendemos somente no encerramento, uma jogada surpreendente, contudo tardia, sem maiores significados e ressonâncias, a não ser adicionar outra camada de representação à ficção. Aspirando identidade própria, Um Filme Francês infelizmente se perde um pouco quando acredita ser suficiente emular Godard e Truffaut para ganhar nossa adesão.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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