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Crítica


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Sinopse

No fim do século XIX, Per Sidenius, um ambicioso jovem de uma devota família cristã da Dinamarca Ocidental, viaja para a capital, Copenhague, para estudar engenharia, rebelando-se contra o pai clérigo. Peter se envolve com uma família judia rica e intelectual, seduzindo a filha mais velha, Jakobe. Agora chamando a si próprio de Per, ele desenvolve um projeto de engenharia de grande escala, com a construção de uma série de canais em sua terra natal, a Jutlândia, e busca recursos para consumar seu sonho.

Crítica

Para Per (Esben Smed), protagonista de Um Homem de Sorte, é necessário romper com a tradição religiosa, perpetuada em sua família, para ter independência enquanto individuo. A briga com o pai, rígido clérigo do interior da Dinamarca, se dá porque ele decide ir à capital para estudar engenharia, ou seja, seguindo um caminho científico, diferente do aceito como missão por seu genitor. A cena é emocionalmente forte, mas exibe uma carga de sentimentalismo que caracteriza o longa-metragem dirigido por Bille August. Não obstante a qualidade da fotografia de Dirk Brüel, que ressalta a suntuosidade do cenário campesino, inclinação pela beleza igualmente observada em outros instantes da trama, a instauração da esfera melodramática, aqui mal disfarçada de estudo profundo de personagem, provoca ruído considerável. Ao invés de assumir a filiação ao subgênero do qual obviamente pega emprestado componentes basilares, o realizador prefere um meio termo.

Um Homem de Sorte intenta mostrar como Per é vítima da manutenção doméstica – e o relógio simboliza essa herança que atravessa gerações – da noção deturpada de obediência que passa, inadvertidamente, pela supressão do carinho. Sem condições de se sustentar, apresentando um comportamento tão obstinado quanto presunçoso já nas primeiras aulas da faculdade de engenharia, ele é guiado por uma espécie de instinto de autopreservação que o leva a passar por cima dos desejos alheios a fim de conseguir alcançar seus vultuosos objetivos. O problema está na forma como o realizador se furta de encarar efetivamente os resultados desse comportamento regularmente torpe. Por exemplo, obedecendo a uma convenção (e várias delas estão presentes no filme), Per se beneficia do afeto de uma garçonete, que chega a lhe emprestar dinheiro para manter vivo seu sonho, e não se faz de rogado, ignorando-a quando na companhia de amigos ricaços.

Bille August simplesmente deixa a injustiçada de lado, eximindo-se de apresentar, assim, com as devidas tintas, os efeitos da teimosia de Per, que passa sobre as pessoas como um rolo compressor. Semelhante displicência pode ser vista no rompimento abrupto de Jakobe (Katrine Greis-Rosenthal), a pretendente que sucumbe à insistência do ambicioso estudante de engenharia, e o noivo mais velho que lhe demonstra afeto. O homem deixado para trás é basicamente ignorado, procedimento que “libera” a narrativa de lidar com os estilhaços dessa nova investida irresponsável do protagonista. Assumindo, então, a absoluta centralidade do jovem com planos grandiloquentes para fazer da Dinamarca um país energeticamente autossuficiente, Um Homem de Sorte trata as consequência de suas ações com uma distância contraproducente, deixando-as apenas como pesos de consciência. Dessa maneira, a força do drama, instância integralmente presente, é arrefecida em virtude da falta de densidade do enredo, inclusive nas proposições frágeis sobre as crenças.

Há toda sorte de traços canônicos que ligam Um Homem de Sorte à tradição do melodrama. O jovem impetuoso que sofre para desvencilhar-se dos grilhões familiares; a rivalidade velada entre irmãs apaixonadas pelo mesmo homem; os conflitos advindos da observação de elementos pertencentes a estratos sociais discrepantes se relacionando amorosamente; o protagonista afeito à tragédia de, provavelmente, não conseguir escapar à sua sina; e o encerramento conciliatório, mas melancólico. Todavia, ao invés de apostar no desenvolvimento da história a partir das muitas potencialidades do subgênero, Bille August se excede na submissão ao que este pode ter de folhetinesco, banalizando-o. Permanecendo, portanto, num terreno claudicante, o cineasta nutre as superficialidades. A produção é suntuosa, conta com uma bela fotografia e boas atuações, como a de Esben Smed, mas resvala no piegas em diversas passagens, sendo leviana com os coadjuvantes a fim de, supostamente, apontar o protagonista como aquele que sofre mais, especialmente por não ter alternativa, dada a educação empedernida pelo catolicismo e seus intrínsecos valores tradicionais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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