Crítica
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Sinopse
Depois de um trágico acidente, uma mulher tenta encontrar forças para viver, isso enquanto sua família resgata um pássaro machucado e se incumbe de cuidar de suas feridas.
Crítica
O narrador de Um Milagre Inesperado é o pequeno Noah (Griffin Murray-Johnston), mais velho dos três rebentos da família Bloom. No entanto, não é preservada como principal a perspectiva infantil neste longa-metragem baseado num best-seller. O diretor Glendyn Ivin não faz com que vejamos tudo pela ótica do menino invadido pela culpa depois que a mãe, Sam (Naomi Watts), fica paraplégica. A voz da criança serve, então, apenas como reforço do sentimentalismo sobressalente nessa produção encaixada exatamente no tema de um dos recentes podcasts realizados pela equipe do Papo de Cinema: o do filme que contém uma lição de vida (o programa você pode escutar aqui). Além da conveniência de lançar mão do ponto de vista do garoto para acentuar o naturalmente intenso – o drama da acidentada que respinga nos demais habitantes da casa –, o realizador se empenha para reforçar mensagens edificantes, seja por meio do comportamento dos personagens ou da fotografia de Sam Chiplin, repleta de contraluzes e atenta ao caráter paradisíaco do cenário.
A leitura da sinopse de Um Milagre Inesperado é suficiente para prevermos os desdobramentos da premissa, sobretudo porque ela está fundamentada na lógica da lição de vida. Sam evidentemente lida mal com o aprisionamento numa cadeira de rodas, caindo numa melancolia compreensível diante de pequenas impossibilidades, tais como acudir os filhos que vomitam. Porém, Glendyn Ivin não parece preocupado com as modulações emocionais e psicológicas dessa história baseada em fatos, somente em mostrar como depois da tempestade há lugar inequívoco à bonança. A entrada em cena de uma ave apelidada de Pinguim (por ser branca e preta) permite à acidentada desviar o foco de sua autocomiseração. Aqui, as pessoas são unidimensionais na essência, não ostentando camadas sequer quando recebem raros espaços para demonstrar algo escondido por debaixo das aparências. O marido vivido por Andrew Lincoln, por exemplo, é idealizado como alguém praticamente inquebrantável, resiliente como poucos diante daquela situação muito dramática.
Cam (Lincoln) é um bom indício das pretensões da produção. Ele é desenhado como um sujeito de disposição e motivações praticamente infinitas. Cuida dos filhos, da casa, trabalha e garante que a esposa acamada fique confortável. A ele é dado um instante, breve e praticamente imperceptível (soterrado por um episódio envolvendo a ave da família), para desabafar acerca do seu estresse contínuo. No mais, o entendimento como fortaleza funciona para supostamente transformar a jornada de Sam em algo estritamente pessoal. Uma vez que ela não precisa se preocupar com o dinheiro, a criação dos meninos e a natural insatisfação do marido, para que tudo volte relativamente ao normal possível basta aceitar a sua nova condição. É como se o personagem masculino existisse para facilitar esse processo árduo, por certo bem mais complexo e nuançado do que o mostrado na tela, retirando do caminho da mulher o que seriam obstáculos evidentes. Portanto a direção enfatiza subliminarmente a noção romantizada do “basta querer”, cercando Sam de “anjos da guarda”.
O elemento mais indicativo da prevalência das mensagens positivas é justamente Pinguim. Glendyn Ivin estabelece uma simetria escrachada entre o pássaro e a mulher machucada física e emocionalmente. Em certa cena, chega a cortar imediatamente para Sam quando Noah menciona as dificuldades de voo do bichinho, mesmo ele tendo asas perfeitamente saudáveis. Fica implícita a noção de que o poço de sofrimento ao qual a mãe foi arremessada ao ter a coluna fraturada irremediavelmente não deve ser impeditivo para ela seguir vivendo, ou seja, novamente o “basta querer”. Obviamente, a resolução é sustentada por uma lição positiva a respeito da necessidade de adaptar-se às intempéries do mundo e não ficar tão ancorada num passado de repetição impossibilitada. Claro que é confortável ver uma família redescobrindo o caminho da felicidade e alguém inicialmente perdida achando um novo lugar, negociando com as limitações e as relativizando. Entretanto, as fragilidades não estão no “quê” mas no “como”. A despeito da exuberância do cenário, o cineasta desperdiça duplamente a culpa como entrave e apara as arestas com uma facilidade (jn)cômoda.
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