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Sinopse

Ainda abalado depois de descobrir que estava sendo traído, Carlinhos conhece Graça. Os dois fingem que formam um casal para evitar as maledicências da família dele durante as comemorações do Natal.

Crítica

Não há absolutamente nada de novo nessa história. Aliás, a lista de “influências” (ou seriam plágios?) é tamanha que vai desde arquétipos clássicos (o envolvimento que começa a partir de uma mentira, mas que, aos poucos, vai se transformando em outra coisa) até referências bastante atuais, como a personagem de Vera Fischer, que nada mais é do que uma releitura tupiniquim do mesmo tipo vivido por Beverly D’Angelo no recente Noite Infeliz (2022). Porém, isso não seria tão problemático, caso fosse desenvolvido com interesse e por uma equipe comprometida com o resultado – o que não chega a ser exatamente o caso. Afinal, Um Natal Cheio de Graça, já pelo título, deixa claro ter um único objetivo: promover a figura de Gkay (que se esforça em defender uma mulher chamada – veja só! – Graça), seja como atriz, presença midiática ou mesmo foco de interesse para o espectador mais desavisado (e menos interessado). E, nesse caso, o resultado é ainda mais frustrante, pois serve apenas para colocar em evidência os pontos frágeis da suposta artista (ou seria mais conveniente se referir a ela apenas como “influenciadora digital”?). Enfim, sem alcançar o humor a que se pretende, sem nem se aproximar do romance que deveria emular e nem mesmo como veículo de estrelato, o que se encontra em cena é apenas um grande desperdício, ainda que um ou outro elemento fora da curva evite que o conjunto se confirme um desperdício por completo.

Graça é uma moça que tem como missão “fazer do Natal a data mais mágica do ano” para estranhos que conhece ao acaso. Todo ano, simula incidentes que a aproxima de desconhecidos para, uma vez inserida naquele contexto, se insinuar até ser convidada para a festa natalina daquela família. Mas não se trata de uma golpista ou aproveitadora, como se apressa em explicar. O que busca é “proporcionar momentos de alegria” aos outros, emprestando uma autodeclarada simpatia para motivar e envolver esses dos quais se aproxima. É uma justificativa tão estapafúrdia e improvável que talvez funcionasse caso fosse ela uma elfa, ou uma “ajudante do Papai Noel” ou qualquer outra figura fantástica de passeio pelo Rio de Janeiro. Mas, pelo contrário, tanto o diretor Pedro Antônio Paes (dono de um longo histórico de tropeços similares) como a roteirista Carol Garcia (que passou por séries como Bom Dia, Verônica, 2020, e Impuros, 2019, em nada semelhantes ao ambiente por aqui experimentado) tratam de encará-la como uma presença concreta, como se beber água de uma fonte ornamental ou ficar o tempo todo exclamando o quanto precisa “encher o bucho” fossem coisas absolutamente normais.

Enfim, a vítima da vez da garota é Carlinhos (Sérgio Malheiros, esbanjando ingenuidade), que acaba de ser deixado pela noiva de uma década. Se a cena em que ele pede a antiga namorada em casamento no momento em que essa está lhe traindo já é, por si só, constrangedora, tudo é encenado de forma tão patética que o resultado é ainda mais perturbador: ela está na banheira, e seu novo par, uma moça sem nome nem histórico, é obrigada a se manter submersa para evitar o flagra. Quando, enfim, o fôlego acaba e a revelação se dá, o susto do rapaz é tamanho que a única coisa que consegue fazer é... sair correndo. Ele não fica brabo, frustrado ou deprimido. A impressão é que está com medo, o que gera sentimentos confusos, como se o personagem demonstrasse uma mistura de misoginia com homofobia. Afinal, presenciar duas mulheres juntas lhe causa tanta repulsa a ponto de ter que sair em fuga de forma desembestada, rejeitando chamados da antiga companheira e preferindo pular o portão de entrada do edifício ao invés de esperar que o mesmo fosse aberto do modo convencional?

Pois bem, é nessa escapada que acaba colidindo com Graça, e ao invés de assumir o rompimento para a família durante o jantar da véspera de Natal, opta por levar essa figura que desde o primeiro instante deixa evidente ser fora dos padrões e apresentá-la a todos como sua “nova namorada”. A quantidade de filmes que partem do mesmo princípio é inúmera. E, portanto, não há surpresas quanto ao rumo que as coisas por aqui tomarão. Mas causa estranheza o rapaz repetir a todo instante o quanto a matriarca – sua avó, Lady Sofia, vivida com leveza e charme por Fischer – é rígida e, mesmo assim, concordar com a ideia de introduzir nesse ambiente uma garota sobre a qual ele nada sabe, mas cujos indícios desde o contato inicial entre os dois são de confusão e desrespeito às regras (algo que ele parece prezar com entusiasmo). A existência de um rival (o primo vivido por Gabriel Louchard, que se esforça para oferecer um pouco de tensão ao conjunto) e de uma tia (Flavia Reis, de Não Vamos Pagar Nada, 2020, a mais solta em cena) que encontra na convidada de última hora uma parceira de excessos até servem para movimentar algo destinado a uma previsibilidade acachapante, mas são poucos acréscimos de valor diante de um cenário escasso de originalidade.

Se o todo se mostra construído do início ao fim em torno de uma única presença, e o mesmo termina por naufragar, difícil refutar a tese de que não estaria nessa a responsabilidade pelo estrago. Gkay, pseudônimo de Gessica Kayane, uma ex-BBB que encontrou alguma notoriedade além de sua bolha nas redes sociais com uma festa de aniversário que batizou de ‘farofa’, exibe uma postura desconfortável enquanto protagonista, mostrando não ter talento – ou, ao menos, preparo – para enfrentar uma personagem mais ambiciosa (ou minimamente exigente, que vá além da sua zona de conforto). Sem química com Malheiros (os dois, juntos, soam mais como colegas improvisados do que como par romântico) e desprovida de um senso de humor capaz de motivar um envolvimento maior com o espectador, tudo o que alcança é um efeito limitado e passageiro, tal qual suas publicações no tiktok ou instagram. Eis, portanto, um filme descartável e orgulhoso de sua condição. Em Um Natal Cheio de Graça, a mira está voltada a uma tradição que em países como os Estados Unidos até pode ter gerado um gênero à parte, mas que, por aqui, aponta apenas para uma descartabilidade atroz, cujo resultado não deverá perdurar nem mesmo até a próxima estação. Assim como a fama desses acostumados a olhar apenas para o próprio umbigo, esquecendo do quão diversa e complexa pode se revelar uma audiência de fato qualificada e abrangente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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