Crítica
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Sinopse
Lauren sempre teve a vida planejada, repleta de conquistas amorosas e profissionais. Quando uma sequência de imprevistos leva ao término do namoro e à perda do cargo no hospital, esta médica aceita a tarefa ingrata de trabalhar numa cidadezinha do Alasca. Aos poucos, a moradora da cidade grande descobre os prazeres de uma aventura longe da agitação.
Crítica
É tentador basear a análise de Um Natal de Descobertas (2014) na constatação da previsibilidade. Assim que a médica Lauren (Candace Cameron Bure) declara aos colegas que está atravessando o melhor momento de sua vida, sabemos que este castelo desmoronará em breve (em seis minutos de narrativa, para ser exato). Quando se muda para Garland, uma cidadezinha fictícia do Alasca, compreende-se imediatamente que a mulher acostumada às grandes cidades está prestes a se encantar com a comunidade onde todos se conhecem e se cumprimentam na rua. No instante exato em que descobre um homem belo, gentil e solteiro, sabe-se que ficarão juntos. Ao invés de spoilers, estes elementos constituem um retorno sobre o investimento: espectadores de comédias românticas e filmes natalinos, dois dos subgêneros explorados neste projeto, não embarcam na aventura apesar dos clichês, mas por causa deles. Cartazes e outras artes de divulgação revelam Lauren e Andy (David O’Donnell) abraçados sobre um tronco de árvore. Alguma dúvida quanto ao desfecho amoroso?
A configuração do cinema natalino vai além da temática: trata-se de um discurso rigidamente empacotado em estética de fabricação industrial. Este ponto de vista interpreta o Natal enquanto período de reconciliação familiar, de reencontros, renovação pessoal e crença no poder da magia. Pelo simples fato de aceitar o cargo no local pouco conhecido, o roteiro sublinha a louvável disposição da heroína em alterar seus planos par ao futuro. Mesmo assim, o diálogo sublinha duas, três, quatro vezes a mensagem a respeito da necessidade de se abrir ao acaso. “Garland, no Alasca, seria uma oportunidade de fazer algo diferente”, explica a consultora. “Algo diferente?”, responde a médica, com a súbita alegria de quem descobriu a cura do câncer. “Sim, algo diferente!”, replica a consultora. Não existem sutilezas, nem complexidade social e psicológica. Mergulha-se numa jornada moralizante: a arrogante jovem descobre como ser uma pessoa melhor através do contato com os valores tradicionais da comunidade, incluindo presentes, flores e cafés oferecidos pelos habitantes sorridentes desta cidade multicolorida com aparência de cenário da Disney.
As cores, a nitidez, a música e o ritmo abraçam o estilo que a publicidade passou a vender, convencionalmente, enquanto signos de reconforto. Os personagens vestem roupas verdes e vermelhas (cores dos pinheiros, das guirlandas, das decorações típicas da época), possuem pele, dentes e cabelos perfeitos, sendo retratados numa textura digital impecavelmente nítida, sob luzes construídas como num palco teatral. O diretor Peter Sullivan explora o imaginário asséptico – porém perfeitamente consciente disso – dos amores românticos e familiares. Tudo de que a heroína precisa, vejam só, era de uma cidade inteira que a apoia, coadjuvantes que fazem de tudo por ela, um homem belo e musculoso aparecendo em sua rotina, além de biscoitos de chocolate, café quentinho e romance perto da lareira. Talvez seja menos apropriado falar em reinvenção de si (no sentido de reajustar seus princípios a uma nova realidade) do que em fuga do real: não por acaso, Lauren encontra-se numa localidade fictícia, dotada de poderes mágicos, onde os correios não chegam e cujo único acesso se dá por meio de avião ou helicóptero. O conceito romantizado da ilha deserta atualiza-se para o vilarejo de abraços e gracejos, envolto em chalés, blusas de lã e interiores acarpetados.
Por este motivo, os atores evitam a composição realista para privilegiar gestos exemplares e entonações evidentes. Uma das vantagens desta produção pouco ambiciosa em termos de linguagem cinematográfica se encontra na confissão humilde de seu caráter fabular. Embora os primeiros acontecimentos soem absurdos dentro da vida da médica ambiciosa, a introdução progressiva de elfos, Papai Noel, renas, trenós e fábricas de brinquedos acabam por assumir o mundo mágico oferecido à protagonista. As romantizações do gênero carregam um componente tão saudável (o otimismo na concepção do amor e de amizades sempre recíprocos) quanto delirante. Não seria difícil explorar esta premissa dentro de um filme de terror: uma médica é presa em cidade que sumiu do mapa, onde todos confabulam às suas costas, sabendo de cada passo que toma, controlando a sua rotina e impedindo que volte às suas origens. Em comum, terror e romance possuem a liberdade de subverter o real para sua potencialidade extrema, ainda que em sentidos opostos: um para o sonho, e o outro, para o pesadelo.
Ao final, Um Natal de Descobertas oferece a conclusão que se esperaria dele, dentro de um contexto alegremente branco, burguês, heterossexual e cisgênero. Para um roteiro centrado no espaço do hospital, nunca há casos mais graves a tratar do que uma coceira invisível ou uma indigestão por excesso de cookies. Os funcionários, robóticos e impecavelmente vestidos, jamais trabalham de fato – nenhum personagem traz complexidade emocional dentro deste universo. “Sinto muito que tenha presenciado a briga com meus pais”, confessa o anjo/príncipe Andy, após uma conversa polida com o casal idoso durante o jantar. Aquela era uma briga? Este é o mundo proposto pelas comédias-românticas-natalinas-feitas-para-a-televisão: um horizonte de facilidades. Visto que o cinema constitui uma arte do conflito, a eliminação dos mesmos proporciona algo próximo da publicidade para casacos de inverno e artigos de decoração. Entretanto, há quem enxergue neste passeio pelo shopping center o acalento das promessas de felicidade. No ano que vem, tudo será melhor. Quem sabe não chegam o amor, o dinheiro, o trabalho? Este cinema é feito para ver de olhos fechados.
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