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Sinopse

Quando a “nova amiga” de Stephanie pede para ela pegar seu filho na escola e depois some misteriosamente, a jovem precisa descobrir a verdade por trás do súbito desaparecimento. Stephanie é acompanhada pelo marido de Emily, Sean, que a ajudará nessa busca cheia de segredos e revelações.

Crítica

O único ponto que, a priori, aproxima Stephanie (Anna Kendrick) e Emily (Blake Lively) é o fato de seus filhos pequenos estudarem na mesma escola e, além disso, serem amigos. A primeira é uma mulher “certinha”, voluntária em diversas atividades escolares, uma “santa” que, além de tudo, possui um canal virtual para dar dicas a outras mães. A segunda é um poço de enigmas, ousada, extrovertida, com diversas áreas nebulosas praticamente insondáveis. Portanto, em Um Pequeno Favor há um relacionamento baseado na velha máxima dos opostos se atraindo de alguma forma, embora tenhamos bem mais clara a admiração da moça recatada pela nova melhor amiga que lhe apresenta ditames empoderadores. O cineasta Paul Feig, mais conhecido por comédias rasgadas como Missão Madrinha de Casamento (2011) e Caça-Fantasmas (2016), não consegue desvencilhar-se de tiques como a construção exagerada de coadjuvantes, acima do tom principal, para servir de alívio cômico. Aliás, a própria convivência entre a graça e a desgraça é articulada desajeitadamente por ele.

Embora seja apropriada a escalação das protagonistas, que Kendrick e Lively deem conta da construção geral de suas personagens, Um Pequeno Favor se ressente da falta de uma mão firme na direção. Certas convenções são descartadas como elementos simbólicos, senão de estereótipos. Exemplo disso, a predileção de Emily por música francesa, o que supostamente denotaria, associada ao outros instrumentos estrategicamente expostos, o bom gosto da anfitriã que insiste para a youtuber não mais se desculpar. Boa parte da metade inicial do longa-metragem se dá na delineação dessa amizade improvável, com as confidentes trocando segredos e estabelecendo um vínculo insuspeito. A menção ao clássico As Diabólicas (1955), do francês Henri-Georges Clouzot, é apenas uma cortina de fumaça, esforço para embaralhar as noções do espectador assim que a bem-sucedida executiva some sem deixar vestígios. Ao largo do que é vital à trama, Fieg incorre em desperdícios e demonstrações contraproducentes, como o trio de “mães” que observa e comenta as coisas com histrionismo.

A tentativa de criar um clima denso falha pela inclinação do realizador às pitadas cômicas reforçadas na encenação. Ao invés de investir na malícia, na ironia, o norte-americano pesa a mão em componentes como as reações de Stephanie, frequentemente guiadas por um misto de estupefação e patetice. Anna Kendrick não dá conta de transcender os limites iniciais de sua personagem, demonstrando inconsistência quando é preciso virar determinadas chaves. Nesse sentido, Blake Lively sai-se ligeiramente melhor, mas porque Emily é tipificada e assim permanece, não precisando revelar lados ocultos e encarregados de macular a imagem geral que temos dela desde o princípio. A grande fragilidade de Um Pequeno Favor é mesmo diretiva, já que Paul Fieg não consegue trabalhar expressivamente as reviravoltas do enredo e, por conseguinte, lidar com possíveis sutilezas que denunciariam a verdade das pessoas. De um ponto em diante, fica complicado analisar se o filme abraça um tom abertamente satírico ou se apenas é arrastado pela tentativa postiça de fazer a tragédia penetrar a casca cotidiana. Boas sacadas como a dos flashbacks contradizendo falas capitais são exceções.

Um Pequeno Favor não sustenta a solenidade do mistério, principalmente por conta da necessidade inexplicável de Fieg oferecer toques pretensamente engraçadinhos, tiradas de gosto duvidoso. Somente na cena do cemitério, no diálogo aberto entre essas mulheres já bastante despidas de máscaras ou o que as valha, a produção assume sua vertente paródica. Emily vestida como uma übermodel, com direito a bengala de caveira na ponta; Stephanie toda arrumadinha como uma boneca assustadora. Nesse breve instante, em que até os diálogos parecem calcados na torção de cânones, a narrativa deixa de oscilar, encontrando uma frequência mais condizente com sua condução. Enquanto exemplar pretensamente fundamentado nas intrigas, é bastante frágil, ao ponto de duvidarmos de maneira contundente de movimentos supostamente espertos do roteiro. O suspense, portanto, é combalido pela predileção de Fieg por uma comicidade reducionista, a mesma que praticamente inviabiliza às pessoas, bem como às situações, a demonstração de camadas notáveis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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