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Sinopse

Akeem, príncipe herdeiro de Zamunda, na África, vai incógnito para Nova Iorque tentar encontrar uma noiva que não o deseje por sua posição.

Crítica

Passados mais de três décadas desde o seu lançamento, difícil ter a real dimensão hoje do que Eddie Murphy representava nos final dos anos 1980, quando Um Príncipe em Nova York chegou aos cinemas. Este talvez não seja o maior sucesso de bilheteria da carreira do astro – posto que provavelmente é ocupado por títulos das sagas Um Tira da Pesada ou Shrek – mas o seu desempenho junto ao público foi realmente impressionante: com um orçamento de pouco mais de US$ 30 milhões, arrecadou quase dez vezes esse valor ao redor do mundo. Além disso, Murphy atuou também como roteirista, exigiu – e conseguiu – mordomias no set que na época eram dedicadas apenas aos maiores astros de Hollywood e pôde opinar em praticamente tudo, desde a escolha do diretor à seleção dos atores. Como resultado, tem-se uma comédia romântica com um elenco formado quase que exclusivamente por negros – uma raridade ainda maior – que não se destinava apenas a esse nicho de público, conseguindo estabelecer uma eficiente comunicação muito mais ampla (sempre importante lembrar que a comunidade negra representa menos de 20% da população norte-americana). Ou seja, o comediante elevou as apostas em torno do seu nome – e entregou um produto à altura das expectativas!

Após sucessos como 48 Horas (1982) e o primeiro Um Tira da Pesada (1984), Murphy deu uma tropeçada com o ambicioso – e problemático – O Rapto do Garoto Dourado (1986). A solução para voltar ao estrelato foi uma continuação segura – Um Tira da Pesada II (1987) – e um projeto que o ex-integrante do humorístico Saturday Night Live via com carinho. Afinal, pela primeira vez tudo passaria pela sua aprovação, em uma trama criada por ele (há controvérsias quanto a isso, pois anos depois o humorista Art Buchwald processou a Paramount Pictures – e ganhou – afirmando que a ideia original do roteiro era sua) na qual poderia exercer outros músculos do seu talento, um em particular que se tornaria uma das suas tantas marcas registradas: a criação de diversos personagens, todos sob pesada maquiagem, em uma mesma história. Tanto é que Murphy interpreta nada menos do que quatro tipos diferentes: o príncipe Akeem (o protagonista), o cabeleireiro Clarence, o velho (e branco) judeu Saul e o cantor Randy Watson. O mais curioso? Akeem é o “menos” Eddie Murphy de todos eles.

Isso porquê, se nos anos posteriores, o astro se tornou conhecido por figuras escrachadas, exageradas e histriônicas, Akeem é uma figura quase triste. Um rapaz que, ao completar 21 anos (na época das filmagens, Murphy tinha 25), percebe que conhece nada do mundo, e por isso decide viajar e sair debaixo das asas dos pais – que, por acaso, vem a ser o rei e a rainha da fictícia nação africana Zamunda. Antes de se casar com a mulher que lhe fora prometida desde a infância, parte para a maior cidade do mundo – Nova Iorque – com o objetivo de se apaixonar de verdade por alguém que goste dele por quem é, e não pelo que representa ou pelo posto que ocupa na família real. Acaba indo parar no Queens – que, na época, era um dos bairros mais decadentes de NY – e trabalhando como faxineiro em uma lanchonete. É lá onde conhece a filha do dono, Lisa (Shari Headley, de Como se Tornar uma Divindade na Flórida, 2019), que até tem um namorado (Eriq La Salle, de Plantão Médico, 1994-2009), mas não aceita muito bem as imposições dele e as pressões paternas para que se case com o rapaz apenas por ser um homem rico. O caminho, como se vê, está livre para Akeem e Lisa ficarem juntos.

A história não é das mais elaboradas, e se assemelha à duzentas outras do gênero. Afinal, quantas vezes não se viu um mocinho – ou mocinha – que parte de uma mentira para se aproximar de quem gosta de fato, e acaba correndo o risco de perdê-la – ou perdê-lo – menos pelos receios prévios e mais por não ter sido honesto desde o começo? Bom, é exatamente o que também acontece por aqui. Mesmo assim, a resistência da garota não chega a ser das maiores – por mais que seu último “não” soe como definitivo. Aliás, esse é um ponto que vale uma problematização: apesar dela se negar num primeiro momento, acaba surgindo – alerta de SPOILER! – vestida de noiva, na festa de casamento dele (já de volta a Zamunda), que parece resignado a se unir com a escolhida dos pais, e não a do seu coração. Tudo é feito de acordo com os pais de ambos, e a surpresa é dele, que só a descobre ao seu lado ao levantar seu véu. Mas veja bem: se ela não tivesse aparecido, ele teria se casado com a outra – esse é o fato a ser considerado. Trinta anos atrás, um desfecho desses talvez fizesse sentido. Tanto tempo depois, no entanto, estaria a namorada disposta e ocupar o lugar de uma outra sem maiores ressalvas? (ok, se tornou rainha com tudo isso, mas daí já são outros quinhentos...)

Para o comando da empreitada, Eddie Murphy – que domina a cena, revelando uma postura mais comedida na maior parte do tempo, deixando seus ataques cômicos para os coadjuvantes que interpreta – escolheu John Landis, com quem havia trabalhado em Trocando as Bolas (1983). Mesmo que tenham se desentendido no set, acabaram fazendo as pazes – voltariam a se encontrar em Um Tira da Pesada III (1994) – e a sinergia entre os dois causa efeito na tela. Um Príncipe em Nova York é uma comédia que não se faz mais, que possui espaço para respiros, oferece oportunidades para outros membros do elenco – Arsenio Hall, como o melhor amigo, e James Earl Jones, como o rei/pai, são os que mais se destacam, seja pela versatilidade de um ou pela imponência do outro – e consegue fazer do óbvio uma jornada prazerosa. Afinal, deixa claro estar mais preocupada com o durante – o amanhecer do príncipe, com diálogos impossíveis de se imaginar hoje em dia (“o pênis real está limpo, alteza”), a procura por uma “mulher de verdade” pelas boates e clubes noturnos (que inclui um Arsenio travestido e uma ninfomaníaca) ou a visita ao centro religioso que antecipava muito do que se vê atualmente em igrejas evangélicas, assim como o deboche do produto para cabelos Soul Glo – do que com uma conclusão que serve apenas para confirmar o que era esperado por todos. Um filme no qual todas as peças estão no lugar certo, um feito que não pode ser desprezado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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