Crítica


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Sinopse

Quarenta anos depois de seu primeiro caso em Beverly Hills, Califórnia, EUA, Axel Foley está de volta. Mais uma vez, o policial irá fazer as coisas que mais ama: resolver crimes e deixar sua marca.

Crítica

Por conta da onda de nostalgia que agita Hollywood com águas conhecidas, vários “heróis” dos anos 1980 têm voltado às telonas. E se há uma coisa recorrente em tais retornos é a observação de que esses homens oitentistas se tornaram pais ausentes ou considerados por seus respectivos filhos como figuras referenciais falhas. Na série Cobra Kai (2018-), derivada da saga Karate Kid, Johnny (William Zabka) passa boa parte da trama tentando reatar a relação rompida com o filho amargurado por sua falta anos a fio. Ao voltar à ativa, Rocky Balboa, famoso personagem de Sylvester Stallone, também é arrastado pelo descendente direto para um conflito similar. Até mesmo o intrépido Indiana Jones se viu confrontado pelo filho em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008). Os exemplos são diversos e apontam a uma tendência ainda não devidamente mapeada. Será que apenas a falta de boas ideias explica tantas histórias em que personagens masculinos famosos nos anos 1980 precisam embarcar numa missão que tem como resultado essencial a reconciliação com os seus filhos desgostosos? Fica a questão para reflexão. Até porque é exatamente isso o que acontece com Um Tira da Pesada 4: Axel Foley, a aguardada sequência das aventuras do policial Axel Foley em Beverly Hills. Um dos mais carismáticos papeis de Eddie Murphy é reativado após décadas, numa trama que tem a insatisfeita filha em apuros.

Um Tira da Pesada 4: Axel Foley é um prato cheio para os nostálgicos de plantão. O cineasta estreante Mark Molloy sabe bem em quais pontos tocar para contemplar os saudosos, desde reproduzir sequências clássicas da franquia (como a perseguição com Axel num caminhão-baú aberto), trazer de volta personagens inesquecíveis, como Billy (Judge Reinhold) e Taggart (John Ashton), além de se certificar que o protagonista continua exatamente o mesmo. Eddie Murphy parece que deixou ontem a clássica jaqueta do Detroi Lions e hoje a está retomando, tamanha a familiaridade que ainda demonstra com o papel e as suas características típicas. Axel continua sendo uma figura obcecada pela resolução de crimes, mesmo que isso custe às cidades milhares de dólares para reparar carros de civis e viaturas policiais destruídos em meio a perseguições irresponsáveis. Desta vez, Axel volta à ensolarada Beverly Hills para garantir que a sua filha, a advogada Jane (Taylour Paige), não seja morta por forças obscuras que desejam impedi-la de encontrar os verdadeiros responsáveis num caso que envolve o assassinato de um detetive à paisana. Então, esse imbróglio repleto de vilões obscuros e reviravoltas leves serve somente para Axel e Jane fazerem às pazes, principalmente a fim de que ela compreenda os motivos da ausência do pai. No fim das contas, a conciliação vem depois que ela, finalmente, percebe isso.

Jane reclama que o pai a abandonou em Beverly Hills após o divórcio da mãe, por isso sempre recebe Axel com a frieza que acredita adequada para manifestar insatisfação. Por sua vez, o personagem de Eddie Murphy é o que é, ou seja, um policial obcecado por resolver casos, custe o que custar. O roteiro assinado por Will Beall, Tom Gormican e Kevin Etten preserva a essência de Axel, dando generosos espaços para ele ser engraçado, indomável e quase patologicamente avesso à autoridade. De certo modo, ele é um produto dos anos 1980, década em que Hollywood queria vender a ideia da rebeldia dentro de um sistema para que, paradoxalmente, esse sistema fosse mantido e melhorado. Nesse sentido Axel é semelhante ao personagem de Tom Cruise em Top Gun: Ases Indomáveis (1986), pois igualmente a sua desobediência não serve para revolucionar a instituição na qual trabalha, sendo útil para essa mesma organização evoluir e ser mais eficiente, justamente em virtude da impetuosidade dos capazes de improvisar e ir além das regras. Voltando a Um Tira da Pesada 4: Axel Foley, para além da mistura competente de ação e comédia, claro, respeitando as diferenças de ter um protagonista de 23 anos e um de 63 anos, respectivamente a idade de Murphy na estreia da franquia e a dele agora, o discurso principal diz respeito à aceitação de Jane sobre a natureza do pai. Mais que isso: a constatação de que se Axel não fosse assim, ela não sobreviveria. Então, a irresponsabilidade é imposta como condição.

Aliás, é algo recorrente nesses acertos de contas entre pais oitentistas ausentes/falhos e seus filhos ressentidos que, no fim de tudo, as características paternas que mais incomodam os descendentes sejam extremamente úteis para o encerramento feliz e o apaziguamento. É o que acontece em Um Tira da Pesada 4: Axel Foley. Num filme que alude de maneira competente aos antecessores, felizmente não insistindo em piadas sobre o anacronismo do protagonista, o mais importante é mostrar que as inconveniências de Axel são insignificantes se comparadas ao efeito positivo que elas ajudam a atingir. Axel é um rebelde que faz bem à polícia (pois a instituição acumula relevância ao prender bandidos e, assim, tornar a cidade melhor), além de beneficiar a filha (a salvo dos bandidos). O filme defende subliminarmente a ideia de que se o preço a pagar por esse pacote for um número considerável de automóveis danificados e a ausência paterna, que seja. Essa recém-lançada quarta parte segue os preceitos das três anteriores, não chegando a propor qualquer aspecto novo, mas atingindo um resultado satisfatório no quesito “trazer um ícone oitentista de volta e não ofender um público cativo”. Dentro da atual perspectiva saudosa de uma Hollywood cada vez mais presa a continuações, refilmagens e derivados, o retorno de Axel Foley pode não ser triunfal ou empolgante, mas tampouco é insignificante ou mesmo tolo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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