Crítica

Angèle ama Frédéric. Este é amado por Paul, que é namorado de Élisabeth. São dois casais heterossexuais, mas o desejo gay está presente do início ao fim da trama. Paul é um ator desempregado que mal consegue se manter. Quando conhece Frédéric, a atração que passa a sentir pelo novo amigo é tão intensa que chega a largar tudo, trabalho, amigos e até mesmo a namorada termina por ficar num segundo plano. Ela se sente cada vez mais menosprezada, incentivando sua depressão que, inclusive, já a levou a tentar o suicídio. Frédéric, por sua vez, corresponde à ligação com Paul na medida certa para mantê-lo por perto, pois aprecia sua bajulação, mas nunca além dos limites que afetariam sua própria sexualidade e desejo. Ele pensa em si acima de tudo, e em como os outros se sentem em relação à ele. Mas tudo isso é uma farsa, obviamente. E como fica Angèle em relação a tudo isso? Ela é a luz, o sol dessa constelação, que oferece vida a todos os demais. É o calor desse verão que só existe por estar centrado nela. Até quando irá aguentar esse jogo, bom, isso já são outros quinhentos.

Um Verão Escaldante faz parte de uma trilogia sobre as relações amorosas e as percepções doentias que elas podem provocar no homem moderno. O diretor Philippe Garrel já havia visitado este mesmo tema nos anteriores Amantes Constantes (2005) e A Fronteira da Alvorada (2008), ambos igualmente estrelados pelo filho dele, Louis Garrel. Nestes filmes é o homem que sofre nas mãos das mulheres, e neste capítulo final este sofrimento chega ao extremo máximo de por fim à tudo. Frédéric, quando é abandonado por Angèle, mostra com toda a intensidade sua ausência de luz própria, pois não passa de um satélite inabitado que apenas se passava por planeta cheio de vida. Nada mais faz sentido para ele, nem mesmo sua arte, suas ideias, suas criações. Um poste onde atirar o carro que dirige parece, portanto, ser o caminho mais viável. E não haverá absolutamente nada que Paul possa fazer para evitar esse destino.

Louis Garrel, com apenas 29 anos, já se consagrou como um dos maiores e mais intensos atores franceses dessa nova geração. Desde que chamou atenção pela primeira vez em Os Sonhadores (2003), de Bernardo Bertolucci, tem mostrado como se adaptar a cada novo personagem com maleabilidade e dedicação. Em Um Verão Escaldante ele sofre nas mãos de uma Monica Bellucci muito mais experiente (a diferença de idade entre os dois é de inacreditáveis 19 anos, algo que definitivamente não transparece na tela), uma amante voraz e insaciável, que não tem tempo para os lamentos do companheiro. Ela é direta, objetiva e tem fome. Está ao lado dele até o momento em que desiste, e a partir deste ponto não há como voltar nem há espaço para arrependimentos. Por isso que a tarefa de cuidar dele será do amigo tão devoto. Mas este não deverá também pensar nos seus próprios compromissos com a namorada e com seu futuro?

De ritmo lento e com diálogos econômicos, Um Verão Escaldante não é um filme para qualquer público. Pouco é dito, porém muito é mostrado àqueles que ficarem atentos. O quarteto central de protagonistas possui tantas facetas quanto preparados forem os olhes que os observarem. Cabe a cada um na plateia a tarefa e o esforço e decifrá-los. Garrel – pai ou filho – executa sua missão em completa entrega, deixando claro que nesse novo mundo são eles que estão nas mãos delas, e o calor de hoje é muito mais interno, pela urgência de se adaptar a esta nova condição, do que nos corpos que transpiram sem necessidade. Aqui tudo é bastante preciso, inclusive o suor que nunca escorre.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *