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Sinopse

Três irmãos se reúnem ao redor do leito de morte de seu pai, que era um dos pilares da família. Agora precisam pensar no que será do pequeno paraíso que ele construiu, em torno de um modesto restaurante à beira-mar.

Crítica

A idílica enseada de Méjean, na França, é mais que cenário em Uma Casa à Beira-Mar. Para além do paradisíaco, devidamente sublinhado pela bela fotografia de Pierre Millon, está a forma poética com a qual o cineasta Robert Guédiguian desenha narrativamente o espaço, dando-lhe contornos de repositório memorialístico. O agravamento da saúde do patriarca responsável pela criação da vila, erguida em volta de um modesto restaurante à beira-mar, faz com que três irmãos se reúnam novamente, após vários anos distantes. Armand (Gérard Meylan) é o que permaneceu, sendo o administrador local e, portanto, o mais próximo cotidianamente do pai que jaz numa cadeira e necessita de cuidados especiais. Joseph (Jean-Pierre Darroussin) regressa com sua verve ferina, porém combalido, já que em vias de terminar o namoro com a jovem interpretada por Anaïs Demoustier. Angèle (Ariane Ascaride) é a consagrada atriz que chega da capital, Paris, para participar da união a fórceps, protegendo-se da dor que a paisagem lhe impinge, no mais das vezes silenciosa e com olhares pesarosos a esmo.

Uma Casa à Beira-Mar passa bem longe de construir processos paralelos de redenção, como sua premissa pode sugerir. O realizador não investe em acertos de contas, tampouco na necessidade urgente de expor os pormenores dos problemas, a fim de que eles se resolvam e/ou sejam soterrados definitivamente. Sobressai no longa-metragem a vontade de estudar longamente os personagens, dando-lhes tempo para absorver as circunstâncias e reconfigurar-se. O decurso dessa ciranda familiar é orgânico, porque coloca a gente numa perspectiva humana e sensível. Gradativamente, ressalta-se a impossibilidade da vila ser determinada e classificada em conjunto, exatamente por representar coisas diferentes a cada um. Alguns passaram ali a juventude e boa parte da vida adulta. Outros tiveram de enfrentar a perda brutal e estúpida de entes queridos. A convalescença do pai funciona como convite irrecusável aos três se apropriarem da herança, inclusive metaforicamente, respeitando a tradição, mas privilegiando a unicidade dos elos estabelecidos de acordo com as experiências.

Robert Guédiguian investiga as geografias internas dos personagens, permitindo-lhes projetarem-nas num espaço comum. Joseph, por exemplo, expõe suas convicções sólidas em meio à crise que o faz constantemente recorrer ao discurso da idade, ora para proteger-se, ora a fim de comiserar-se. Aliás, por meio desse personagem há o surgimento de um elemento importante às filigranas de Uma Casa à Beira-Mar, caro à obra do cineasta, que é a observação do posicionamento político das pessoas. Notam-se pinceladas acerca do preconceito racial, da relação entre o proletariado e a chamada burguesia, e demais sintomas instilados com parcimônia. O soldado negro enviado à beira-mar para procurar os refugiados que sofreram acidente naval chega a questionar Joseph sobre um possível racismo. O homem se defende, dizendo-se um guardião das causas humanistas. Ao sabor de um desenvolvimento tão delicado quanto engenhoso, logo é abordada frontalmente a polêmica questão dos imigrantes, com a descoberta de crianças famintas que sobreviveram a um naufrágio. Nova e rica camada adicionada.

A grandeza de Uma Casa à Beira-Mar está na forma como valoriza o diálogo entre os personagens, para isso não se valendo apenas das palavras, mas também dos gestos e olhares. Méritos de uma encenação precisa, não propensa a sufocar a espontaneidade, e igualmente do trabalho brilhante do elenco. Nesse tocante, destaque especial para Jean-Pierre Darroussin, que alterna instantes de melancolia e pragmatismo, em cujo olhar repousam, num só tempo, a desesperança e a fagulha de confiança quanto à possibilidade de superar a agitação dos mares bravios. Plasticamente muito bonito, o filme explicita seus posicionamentos éticos, estéticos e políticos, refutando sentenças, preferindo expressar-se de maneira mais naturalista, deixando que os personagens revolvam seus medos e virtudes. O pai imobilizado pela enfermidade é um McGuffin, pois permite os encontros e, por conseguinte, a emersão das lembranças, bem como dos ímpetos individuais que compõe este quadro bonito e delicado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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