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Sinopse

Gina, uma comissária de bordo americana, depois de uma temporada sozinha e deprimida pelo suicídio de seu namorado, acaba conhecendo e se apaixonando por Jérôme, um garçom parisiense. Quando ela finalmente decide ficar na França para viver este amor, surge Clémence, um antigo amor de Jérôme que transformará a vida de Gina em uma rede de desilusões e loucura.

Crítica

Existe um jogo fabular em Uma Escala em Paris. A forma como a narradora (Anjelica Huston) ajuda a acessar o recôndito de Gina (Lindsay Burdge), associada à fotografia que amplia a atmosfera lúdica, com os personagens sendo banhados por luzes artificiais diversas, estabelece esse singular aspecto formal. A roupagem visa oferecer um contraponto às cavalares doses de realidade que atravessam a vida da comissária de bordo norte-americana acometida de severa depressão após o suicídio do marido. Aliás, as últimas palavras do cônjuge, gravadas num bilhete lido postumamente, dão a ideia de uma personalidade dependente, carência que o faz duvidar do amor reafirmado por presentes frequentes, exatamente porque a ausência provocada pelo emprego da amada não os permite ficar juntos tempo suficiente. Com o decorrer do filme, percebemos que a remanescente desse casal separado pela tragédia não age tão diferente quando frente a supostas saídas imediatas para sua solidão. Esse desespero é fixo em seu semblante, mas deflagrado por um novo amor.

Um traço bastante positivo em Uma Escala em Paris é a construção dos personagens principais. Não demora para nos afeiçoarmos pela vulnerabilidade de Gina, méritos da ótima composição de Lindsay Burdge, atriz que deixa a fragilidade sempre à mostra, mesmo em meio a momentos excepcionais de aparente felicidade. Já Jérôme (Damien Bonnard) é aquele sujeito sem disposição para encarar compromissos, que vê o encontro com a estadunidense apenas como episódio rotineiro. Desde o primeiro instante, fica evidente que ele não está absolutamente afetado pelo envolvimento como ela. Semelhante profundidade não é atribuída aos coadjuvantes, figuras sem brilho próprio nesse itinerário marcado por uma paixão cada vez mais obsessiva e intrusiva. Ocasionalmente, a iluminação tangencia o naturalismo, exatamente para ampliar a percepção das fugas circunstanciais dessa idealização que aproxima, na cabeça da ex-aermomoça, as possibilidades amorosas dos contos de fadas perpetrados pelo cinema dos Estados Unidos, especialmente nos musicais românticos.

Todavia, essa proposta narrativa pretensamente sólida do cineasta Nathan Silver vai perdendo intensidade na medida em que a trama avança, sobretudo quando o arremedo de relacionamento de Gina e Jérôme é balançado pela presença de Clémence (Esther Garrel), ex-mulher dele, em virtude da proximidade preservada, grande empecilho para os desígnios sentimentais da estrangeira. Ainda no intuito de demarcar a debilidade emocional da protagonista, o filme mostra uma sequência de atitudes controversas, como a insistência dela em vê-lo, a mudança para um apartamento nas cercanias e os joguetes dos quais Gina lança mão para forçar a consolidação de uma paixão obviamente não recíproca. Desse ponto em diante, coincidente com tentativas de firmação na condição de garçonete num clube de striptease – algo quase sem relevância para a jornada central –, há uma exposição excessiva de Gina à nossa possível antipatia, pois ela abertamente está equivocada e prejudica outrem, várias vezes. O realizador “justifica” tropegamente seu comportamento.

Ainda no que tange à inconstância da proposta diretiva, a fotografia, no início um sintoma evidente do clima prevalente nas cenas, passa a claudicar sem tanta função especificamente dramática. Uma Escala em Paris subaproveita a fricção entre a fábula e o real, fazendo com que mesmo a narração de Anjelica Huston não passe de um elemento facilitador entre a protagonista e o espectador, ou seja, que caia inapelavelmente na banalidade. Embora a intenção manifestada seja a de tornar as dores de Gina mais disponíveis à nossa leitura, a maneira como as ações são apresentadas pelo roteiro nos dá salvo-conduto para julgá-la por agir intempestiva e irresponsavelmente. Falta habilidade a Nathan Silver para evitar tal armadilha. O resultado é um longa-metragem com passagens inspiradas, grande parte por conta do bom trabalho do elenco, mas falho ao estabelecer um caminho menos pedregoso à Gina, cuja conduta oscila entre a normalidade de alguém alvejado por reveses e a desproporção de atos não abonados pelos infortúnios.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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