Uma Família em Tóquio
Crítica
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Sinopse
Um casal idoso que mora em um vilarejo no Japão decide tomar um trem e visitar os filhos adultos em Tóquio. Chegando no local, eles descobrem que os filhos levam vidas muito ocupadas e diferentes das suas, e que não têm tempo para dedicar aos seus pais. Apenas uma morte trágica reunirá todos, permitindo que conversem e descubram porque se afastaram tanto uns dos outros.
Crítica
Em 1953, Yasujirô Ozu realizou aquela que muitos críticos consideram uma das maiores obras cinematográficas de todos os tempos. Era uma vez em Tóquio (1953) é um belo e, na época, inovador ensaio sobre família, velhice, decadência e, por que não, a própria vida. Sessenta anos depois, quanto as coisas mudaram? Esta parece ser a pergunta que Yôji Yamada se propõe a responder em seu Uma Família em Tóquio, releitura do clássico japonês.
O novo filme conta a história de três irmãos (um médico, uma cabeleireira e um jovem designer de produção) que moram em diferentes regiões de Tóquio com suas próprias famílias e/ou amigos. Suas vidas fluem normalmente até que recebem a visita dos pais, idosos, que moram no interior rural. O choque entre essas duas realidades tão distantes e, ao mesmo tempo, ligadas por laços de sangue e de afeto, mudará a vida de todos.
De decupagem simples e discreta, o filme não nega sua referência principal, copiando inclusive alguns planos de Era uma vez em Tóquio, além do desenho da trama principal. Por outro lado, Yamada parece bastante interessado em mostrar como o abismo apontado por Ozu se tornou imensamente maior mais de meio século depois. Afinal, a evolução tecnológica e cultural acontece de forma muito mais rápida agora do que nos anos 1950. Se naquela época o rádio e os primórdios da TV eram as grandes tecnologias que separavam o urbano do rural, aqui este afastamento se acentua, multiplicado por smartphones, transportes de última geração, videogames, GPSs. Aliás, logo no começo da trama, uma cena denuncia esta intenção: a matriarca da família, Tomiko (representada pela inspiradíssima Kazuko Yoshiyuki), consulta suas anotações num caderninho para orientar um taxista, que lhe responde, nervoso: "Não precisa, já coloquei no GPS".
Essa irritação com o ancestral e sua lentidão ou inadequação à realidade contemporânea será espelhada nos filhos. Lotados de compromissos, eventos sociais e profissionais e os cuidados com a própria família, não conseguem se dedicar integralmente aos pais, que não veem há tanto tempo. Estes, por sua vez, tentam não incomodar e começam a ser passados de casa em casa, situação em situação, como um presente indesejado.
Yamada, por outro lado, busca explicitar que isso não ocorre por indiferença da família ou perversidade humana, mas pela própria natureza da cultura nipônica. Cinematograficamente, o diretor traduz essa afirmação na forma quase antropológica com que observa os personagens, sem julgá-los, e na justaposição de elementos quase futuristas – hotéis luxuosos de Tóquio e trens bala – a elementos ancestrais – teatro Kabuki, idosos e plantações de arroz.
Aliás, essa justaposição soa, diversas vezes, irônica: é curioso notar que uma civilização cuja própria religião depende do culto aos ancestrais e cujas tradições milenares residem inclusive na profissão de jovens e descolados artistas trate seu passado de forma tão displicente, pelo menos na aparência. É um paradoxo, sim, mas um bastante humano. E é a humanidade a essência do longa.
Tanto que, nesse cenário de oposições e relatividades, se impõe o absoluto: a finitude da vida. É por meio da perda, desconsiderada pela rotina e pela prosperidade, que se reencontra a família, tanto a de sangue quanto aquela figurada, que se fará surgir por meio de animais de estimação, vizinhos, conhecidos, garçonetes.
É quando a família em Tóquio passa a ser qualquer família do mundo e o filme ganha a bela e barroca proporção de um memento mori – "lembre-se de que você vai morrer". Uma abstração semelhante àquela feita por Ozu e que mostra no outro um tanto de nós mesmos.
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