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Sinopse
Um recorte na vida de Cassius Clay, adiante conhecido como Muhammad Ali, um dos maiores pugilistas da História. O início dessa trajetória e da amizade com figuras conhecidas, tais como Malcolm X, Sam Cooke e Jim Brown.
Crítica
No dia 25 de fevereiro de 1964, Cassius Clay se tornou campeão mundial de boxe pela primeira vez. Até pouco tempo, se imaginava que esse teria sido o acontecimento mais importante dessa data. Porém, em sua biografia, lançada muito tempo depois, o pugilista revelou que naquela noite, ao invés de sair para comemorar em uma boate ou restaurante, preferiu se encontrar em um quarto de hotel com três dos seus melhores amigos. Nada tão extraordinário, não fossem eles também gigantes, cada um no seu ramo: Jim Brown, considerado um dos maiores jogadores de futebol americano de todos os tempos; Sam Cooke, apontado como o “pai da soul music”; e Malcolm X, um dos grandes ativistas e defensores do Nacionalismo Negro nos EUA. O que fizeram – e, principalmente, conversaram – naquelas horas juntos, ninguém sabe. Mas Uma Noite em Miami, longa de estreia da oscarizada atriz Regina King como realizadora, oferece boas hipóteses a respeito. E assim o faz com propriedade e determinação, à altura dos méritos reconhecidos de cada um destes personagens.
Se há algo a se lamentar ao término da trama, no entanto, é a percepção de que King talvez tenha ficado presa demais aos nomes reunidos, e por vezes esquecido de observar os homens que cada um destes títulos encobria. Assim, seu filme é recoberto de uma assumida importância que talvez vá além dos rumos tomados por estes quatro ícones. Pois uma coisa é imaginar como lidaram com as glórias e frustrações enfrentadas no início dos anos 1960, mais de cinco décadas atrás. Outra, bem diferente, é exercer esse mesmo olhar a partir de uma percepção contemporânea – que é, basicamente, o que acontece por aqui. Não que desmereça o conjunto – muito pelo contrário, aliás. Mas é importante que seja destacado, até para melhor compreender o significado das ações empreendidas na tela e os reflexos destes gestos, que até hoje seguem sendo lembrados e repetidos, tamanho foram os impactos por eles provocados.
A decisão de colocar os quatro sob o mesmo teto foi de Malcolm X (papel de Kingsley Ben-Adir, comprometido com a figura história sob sua responsabilidade). Ele passava por um momento crucial dentro do movimento militante e, justamente por ter se tornado reconhecido pelas posturas radicais que defendia em seus discursos, entendia como nenhum outro a importância que seus amigos estavam adquirindo. Justamente por isso, via neles outros canais a serem desenvolvidos – afinal, também enfrentavam a mesma luta, tanto por compartilharem a cor da pele, como por serem respeitados pelo que faziam, e não pelas pessoas que eram. Uma passagem logo no início da trama mostra Jim Brown (Aldis Hodge, provavelmente a presença mais sólida do elenco) recebendo elogios de um vizinho (Beau Bridges, em composição sutil, porém precisa) que o enaltece na varanda, ao mesmo tempo em que não permite que ele, por ser um homem negro, entre em sua casa. Uma situação banal, mas eficiente enquanto exemplo do que viviam na base diária: tapinhas nos ombros de um lado, e desprezo do outro.
O mais novo dos quatro era justamente Cassius Clay (Eli Goree, aquele mais à vontade em cena), que se apresenta como desculpa para a reunião, e também o mais avançado na doutrina pregada por Malcolm. Tanto é que pouco tempo depois se converteria ao Islamismo e mudaria seu nome para Muhammad Ali. Para ele, no entanto, também muito do que seria discutido nesse encontro seria surpresa, e observar suas reações é um bom exercício de encaixe das peças, como um quebra-cabeças do qual se sabe o final, mas se mantém a curiosidade não pelo quadro geral, mas pelos passos dados até a conclusão. Por fim, Sam Cooke (Leslie Odom Jr., que por ser também cantor – é um dos destaques do elenco de Hamilton, 2020 – oferece a composição mais atraente num primeiro instante) surge como o contraponto ao que está no centro do debate, tanto pela mudança consistente que irá empreender em sua carreira – e muito em parte, acredita-se, pela influência exercida pelo amigo – como também pelo final trágico que o encontraria poucos meses depois.
Como dito antes, é não mais do que um desgaste tentar descobrir com exatidão o que cada uma dessas figuras discutiu com os demais neste encontro em especial. No entanto, é também certo que, após este dia, nenhum deles foi o mesmo novamente. Por isso mesmo, não chega a ser nenhum absurdo o que Regina King e o roteirista Kemp Powers (responsável também pelo recente Soul, 2020) aqui fazem: colocar em evidência o quão forte foi a influência de cada um deles nas trajetórias dos demais. Cooke morreu cedo, e assim como X, foi assassinado no auge de sua caminhada. Ainda assim, as marcas de ambos perduram até hoje. Brown, por outro lado, nunca chegou a ser o astro de cinema na mesma proporção que encontrara nos campos (mas participou de alguns longas de destaque, como Marte Ataca, 1996, de Tim Burton), e é o único que segue vivo – após inúmeras batalhas, Ali faleceu em 2016, depois de ter sido considerado “o desportista do século”. Todos eles, portanto, donos de uma relevância singular. Uma Noite em Miami não despreza essas condições, ao mesmo tempo em que oferece um olhar – talvez não tão profundo quanto o esperado, mas ainda assim pertinente – a respeito dos homens por trás dessas fortes imagens que emulavam. E isso, por mais simples que seja, não pode ser desconsiderado.
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