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Sinopse

Em Uma Nova Amiga, após a morte de sua melhor amiga, Claire entra em uma profunda depressão. Mas uma descoberta surpreendente sobre o marido de sua falecida amiga irá resgatar o seu prazer de viver.

Crítica

Claire (Anaïs Demoustier, compondo com talento todas as camadas de sua personagem) e Laura (Isild Le Besco, com a postura adequada) são amigas desde o primeiro dia em que a segunda chegou como aluna nova no colégio. A empatia entre as duas foi imediata, e logo se tornaram inseparáveis. Laura sempre foi a mais exuberante, a que conquistava as atenções e captava os olhares dos outros. Claire era a mais comedida, discreta e sem maiores destaques. Laura casou antes, Claire logo em seguida. Laura engravidou antes, e Claire... Claire não teve tempo, preocupada com a gravidez de risco da amiga. Um processo tão perigoso, que acabou resultando na morte da mãe durante o parto. E no meio do desamparo e desespero que lhe abate, ela terá que encontrar forças para visitar a afilhada e o pai da criança recém-nascida. É quando, chegando lá, que irá se deparar com... Uma Nova Amiga.

Após abordar a homossexualidade sobre os mais diversos aspectos (como em Sitcom, 1998, e em O Tempo que Resta, 2005), a prostituição feminina (Jovem e Bela, 2013), um casamento em crise (O Amor em 5 Tempos, 2004) e o lesbianismo (Swimming Pool: À Beira da Piscina, 2003), as diferentes formas de se explorar a condição sexual humana voltam a ser tema de um longa de François Ozon, um cineasta nada convencional que tem entregue alguns dos trabalhos mais interessantes e originais do cinema francês nos últimos anos. Em Uma Nova Amiga, ele dá um passo além nesse investigação sobre as múltiplas formas de lidar com o sexo em sociedade abordando a questão do transexualismo. Sim, pois quando Claire entra na casa da amiga falecida, quem ela encontra é Virginia, ninguém menos do que o próprio David, o viúvo, vestido de mulher – ambas facetas desempenhadas com grande habilidade por Romain Duris.

Do choque inicial, logo passa-se para às explicações. Primeiro, que não se trata de um desvio de comportamento – ele é assim, sente-se bem ao assumir o figurino feminino, e não percebe necessidade de um tratamento para se autocompreender – o problema são os outros, como diria o filósofo. Também não é uma traição, pois como afirma, a esposa sempre soube desta inclinação, que vem desde antes do casamento, e o aceitava desse modo. E se assim era, quem poderia se manifestar de forma contrária? Claire e Virginia passam, aos poucos, a se aproximar, apagando cada vez mais tanto a imagem de Laura quando a do próprio David.

Mas há mais um elemento nesta equação: Gilles (Raphaël Personnaz, infelizmente com poucas oportunidades), o marido de Claire. O que terá ele a dizer sobre essa situação? Virginia pede segredo, e Claire terá que inventar desculpas. Mas até quando? Pois como todos sabem, mentira tem perna curta. E como será quando a verdade vier à tona? Dúvidas bastante óbvias se seguem, a maioria a respeito da sexualidade de David/Virginia – ele é gay, travesti, transexual ou apenas um heterossexual que gosta de se vestir de mulher? Como defini-lo? Como os sogros lidarão com essa realidade, e o que será da filha quando crescer? Quanto ao casal de amigos, a proximidade dos dois com a forma do amigo se apresentar, finalmente liberado, irá levantar outros debates – Virginia está atraída por Gilles? Ou David por Claire? Ou Claire por Virginia? Ou David por Gilles? E entre esse triângulo de quatro pontas, como fica a própria relação entre Claire e Gilles?

François Ozon está mais preocupado em apontar perguntas do que em apresentar respostas. Isso percebe-se, principalmente, pelo tom assumido durante a narrativa de Uma Nova Amiga, que em sua maior parte é leve e descompromissado. Os dilemas surgem, e com eles também se apresentam possíveis situações, cabendo aos personagens segui-las ou não. E o conflitos, por mais exagerados que soem num primeiro momento – o que não significa que possam ser abordados levianamente – são ainda assim aptos de se lidar, como um quebra-cabeça em que cada movimento, ao invés de interromper uma estrutura, forma uma configuração inédita e passível de aprendizado. Um filme iluminado até o último instante, e por isso mesmo tão interessante de ser acompanhado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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