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Sinopse

Nate e Victor seguem para a primeira de suas muitas aventuras de caça ao tesouro. Percorrendo diversos territórios, a dupla se empenha para encontrar uma lenda e, de quebra, achar o irmão perdido de Nate.

Crítica

Baseado numa famosa franquia de games, Uncharted: Fora do Mapa é um filme grandioso, mas o seu prólogo tem traços de pequeno conto familiar. Nele, vemos os irmãos Nate (Tiernan Jones) e Sam (Rudy Pankow), jovens que moram num orfanato onde cultivam seu amor por História e transgressão. Prestes a roubar o mapa mais valioso do mundo, ambos são pegos pela polícia. E o mais velho simplesmente desaparece antes que o levem para a cadeia. Anos se passam e o caçula Nate (agora vivido por Tom Holland) é um bartender tão habilidoso no preparo de drinks quanto na arte de roubar as joias alheias. Ao ser abordado pelo vigarista Victor Sullivan (Mark Wahlberg), ele aceita sair em busca do tesouro legendário porque há possibilidade de encontrar Sam pelo caminho. É realmente uma pena que depois disso o cineasta Ruben Fleischer não desenvolva melhor os subtexto relacionados à ausência familiar. Ele prefere apostar suas fichas na aventura descompromissada em vez de cultivar os cenários emocionais e psicológicos. O que importa nesse longa-metragem de gordo orçamento é colocar os personagens no rastro de personalidades históricas que esconderam fortunas, expor famílias capitalistas tradicionais e apresentar um jogo de desconfianças que também não é lá dos mais tensos. Desperdícios e banalidades à parte, é um filme divertido que não deixa a peteca cair no quesito entretenimento ligeiro.

E Uncharted: Fora do Mapa fica mais divertido quando se assume como uma aventura absurda, cuja verossimilhança está estritamente atrelada à sua lógica interna. Dentro do universo que Ruben Fleischer cria para ambientar a história com cara, modos e trejeitos de Indiana Jones, é perfeitamente cabível que dois navios encalhados há séculos num lugar úmido e inóspito não esfarelem ao ser removidos por helicópteros que mais parecem guindastes com hélices. E o que dizer quando essas mesmas embarcações são chacoalhadas de um lado para o outro durante a briga aérea dos grupos rivais pela posse do tesouro que elas contêm? Se a linguagem do filme fosse realista, óbvio que nada disso não faria sentido. No entanto, a forma como o realizador conduz a trama abre brechas para que nossa descrença seja plenamente suspensa. Assim, não ficamos automaticamente incomodados quando as lógicas, as leis da física e da química são violadas na cara dura. Na medida em que ação ganha contornos assumidamente absurdos, essa aguardadíssima adaptação dos games para as telonas ganha outros pontos valiosos para garantir o saldo positivo. Se trata de uma aventura escapista de qualidade mediana. Nem sempre empolga, frequentemente resvala no genérico, mas tem ritmo, ótimos atores, assim sendo bem melhor do que a maioria das demais tentativas de levar games ao cinema.

Nate é apresentado como um amante da História que sente a falta do irmão mais velho. Aos poucos, principalmente quando o enredo começa a pular de país em país, o saber do protagonista de Uncharted: Fora do Mapa é tratado menos como traço de personalidade, mais como mera utilidade à missão. Ruben Fleischer passa bem mais tempo investindo em piadas e demais alívios cômicos do que garantindo que Nate seja visto como um entendedor profundo daquele mundo fascinante. Essa consciência a respeito dos grandes navegadores, das conspirações registradas na História (e, sobretudo, a respeito das apagadas) é importante para que ele saiba exatamente onde colocar um artefato, que caminhos seguir diante das encruzilhadas ou mesmo para desvendar os mistérios. Diferentemente de Indiana Jones, personagem que também poder ser lido/definido por seu amor à arqueologia, Nate simplesmente utiliza o saber como instrumento para chegar ao seu objetivo. Uma vez que mergulha numa tramoia das grandes envolvendo seus comparsas (nos quais não se pode confiar), ele deixa um pouco de lado até sua motivação. Já que os subtextos vão perdendo espaço para a ação desenfreada e as tiradas cômicas, há uma sensível diminuição de importância da relação dos irmãos que inicialmente era vista como fundamental. No fim das contas, nem a função substitutiva de Victor é enfatizada.

Tom Holland mostra novamente porque é considerado uma joia a ser explorada em Hollywood. Ele dá conta do recado quando intimado a demonstrar emoção e também nas cenas de exigem um maior grau de fisicalidade. Uncharted: Fora do Mapa é um filme que avança em desabalada carreira, sem permitir grandes reflexões ou mesmo ponderações que desviem o curso da aventura. Dentro dessa encenação que flerta abertamente com o exagero e o non sense, quem parece se divertir para valer é Antônio Banderas. O ator espanhol cria um vilão propositalmente caricatural, vide o tom de voz sussurrado acompanhado do sotaque carregadíssimo. Já Mark Wahlberg desempenha bem a função de escudeiro, mesmo que que não consiga ser imprevisível como deveria. Quando pensamos que ele vai trair seus amigos, de fato ele trai; quando imaginamos que ele vai ser solidário, é exatamente assim que ele age. Como num bom filme de estrutura narrativa à lá James Bond e Indiana Jones, além dos vilões histriônicos, das múltiplas viagens, das tentações e da grandiloquência, há o elogio implícito à persistência, aos princípios à bravura. As personagens femininas são fortes fisicamente, mas não chegam a ter o destaque que mereciam. No frigir dos ovos, o que importa são as cenas improváveis, as gracinhas que aliviam a tensão, o perigo e o enigma. E para chegar a isso, Ruben Fleischer não se faz de rogado: torna banais até as etapas intermediárias da caça ao tesouro. Nelas, os personagens sempre sabem para onde olhar, como proceder e de que modo escapar. Tirando essas conveniências, o filme diverte.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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