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Crítica


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Sinopse

Maria vive com sua mãe numa região afastada, vizinha de um pastor de cabras. Concomitantemente, ela conversa com o pai num espaço asséptico, discutindo questões que o cotidiano campesino não comporta.

Crítica

Unicórnio, novo filme do cineasta Eduardo Nunes, é um ponto absolutamente fora da curva habitual do cinema brasileiro. Fugindo ao naturalismo, buscando fundamentar a narrativa num manancial de sensações visuais e auditivas, o realizador cria uma obra de difícil fruição, que transcorre lentamente perscrutando texturas e sutilezas, gradativamente levando os personagens a revelarem parte de sua espessura dramática. A protagonista é a menina Maria (Bárbara Peixoto), que cotidianamente busca água no poço próximo à sua casa. Esse local é uma espécie de fronteira entre o seu espaço geográfico e o do pastor interpretado por Lee Taylor, em que o filme se detém diversas vezes. Há um fundamento metafórico intrínseco à maneira como o foco se estreita mais nos elementos, menos na essência das pessoas em cena, cuja função é sobremaneira simbólica, para além da literalidade. Há uma deliberada confusão com o surgimento de Patrícia Pillar, como se a garota tivesse crescido, mas não, a atriz vive sua mãe.

A investigação lenta da sensorialidade inerente ao contato de Maria com a natureza circundante é, ao mesmo tempo, profunda e fatigante. O realizador se atém demoradamente no roçar dos dedos da jovem no fruto proibido de uma árvore de estimação, no alívio que decorre da água batendo no rosto cansado, na luz que paulatinamente banha a cozinha no deslocamento moroso da câmera. Essa concessão de espaço à sensibilidade é totalmente bem-vinda, ainda mais como forma de contrapor o ímpeto célere do cinema contemporâneo, no qual a observação é preterida em função de uma hipertrofia audiovisual. Todavia, a sucessão desse procedimento de prospecção ao qual Eduardo recorre é cansativo, na medida em que não oferece um recheio substancial. Em Unicórnio é tudo muito bonito, ocasionalmente extasiante, especialmente por conta da lindíssima fotografia de Mauro Pinheiro Jr, mas esvaziado pelo excessivo desprendimento de algo que pudesse conferir real tônus, especificamente, à trama.

O longa-metragem frequentemente evade as divisas da vizinhança de Maria, mostrando o colóquio dela com o pai encarnado por Zécarlos Machado num tom messiânico. O cenário fechado, cujas paredes são feitas de azulejos brancos, oferece quebras importantes, pois permite uma interlocução clara entre o lírico e o concreto. Algumas pistas nos são dadas acerca da natureza dessa conjuntura, mas nenhuma é tão evidente a respeito da verdade quanto um enquadramento preciso, excludente, que praticamente revela do que tudo aquilo se trata. Unicórnio possui diversos componentes religiosos em seu substrato, a começar pelo nome da protagonista, Maria; passando pela convivência dela com um pastor de cabras, vestido como se fora dos tempos de Jesus; chegando à importância do pomo interditado, gerado pela árvore que a menina protege das dores do mundo. Contudo, essas associações claras não bastam para criar um terreno suficientemente firme no qual o filme possa assentar.

Em Unicórnio nada sobressai como a composição dos quadros, a necessidade de criar planos mais que belos, pois estonteantes. Esse encanto que perpassa a produção integralmente é responsável por criar um ambiente asfixiado, em que progressivamente a grandiosidade almejada por meio da linguagem sufoca os demais dados, os minimizando. Não falta habilidade a Eduardo Nunes para criar uma atmosfera poética consistente, mas ele se ressente de semelhante aptidão para evitar as armadilhas daquilo que transcende a camada epidérmica do enredo. Quanto ao elenco, Bárbara Peixoto se destaca, construindo um verdadeiro enigma, embora nem sempre nos seja instigada a vontade de estuda-la profundamente. Zécarlos Machado também tem bons momentos, dentro desse itinerário figurativo, tratando de estabelecer um vínculo afetivo com a jovem, coisa que a personagem de Patrícia Pillar não consegue. Os contornos elegantes e formosos do filme prevalecem demasiadamente, tornando-o um tanto oco.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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