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Sinopse

Em Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2, Christopher Robin luta para deixar seu passado para trás enquanto Ursinho Pooh e seus aliados tramam uma vingança terrível.

Crítica

Destaque das Framboesas de Ouro 2024 – ganhou “reconhecimento” como Pior Filme, Direção, Casal, Remake e Roteiro –, Ursinho Pooh: Sangue e Mel (2023) fez descer pelo ralo uma premissa interessante: e se o fofíssimo ursinho Pooh, bem como os demais amiguinhos do menino Christopher Robin (Cristóvão, no Brasil), tivesse crescido cheio de ressentimentos e virasse um monstro assassino? No entanto, o cineasta Rhys Frake-Waterfield tinha pouco a dizer a partir dessa inversão que transformava personagens doces em homicidas brutais. Sem realizar um filme minimamente cativante, ao explorar a perversão do comportamento angelical de Pooh, ele decepcionou. Provando que nem sempre é a qualidade que garante o sinal verde para as sequências, agora chega às telonas Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2, obra ainda pior nos quesitos sanguinolência (sem imaginação) e (fiapo de) trama. A cena animada de abertura resume os acontecimentos do longa-metragem anterior. Poderia ser uma reimaginação obscura da pureza infantil original, fazendo sentido dentro dessa proposta de transformar figuras simpáticas em ameaças. Porém, o cineasta não está muito interessado nisso. Sabemos que Christopher (Scott Chambers, substituindo Nikolai Leon que interpretou antes o papel) sofre com suspeitas de parte da comunidade local. Há quem acredite na versão de que ele é um assassino frio e calculista.

Deixando pouquíssimos espaços à imaginação do espectador, Rhys Frake-Waterfield repete a participação meramente pragmática do narrador que diz algo do tipo: “Christopher e Pooh (Ryan Oliva) tem em comum: a condição de párias”. A partir disso, se espera um desenvolvimento que acentue a simetria inesperada entre algoz e vítima. Contudo, ainda bem que estamos esperando sentados no cinema, pois isso nunca acontece com a intensidade e a importância prometidas. Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2 toma caminhos fáceis para a história progredir rumo a um banho de sangue (mal filmado) que se anuncia como batalha derradeira entre o bem e o mal. De um lado, Christopher sofre os efeitos da má fama, ainda que o filme também passe superficialmente por tudo isso – apenas mostrando a perda do emprego, o carro pichado e a fala sem noção da garota que, em meio a todo terror, está preocupada somente em fazer uma festa memorável. Do outro lado, Pooh é tratado ainda mais como uma besta-fera descontrolada, perdendo gradativamente o vínculo emocional com o menino de quem é ressentido, substituído como líder dos monstros por uma versão tosca de Corujão (Marcus Massey). Aliás, são risíveis as cenas de voo desse personagem secundário de voz cavernosa, que parece uma paródia de abominação voadora. Os efeitos visuais cumprem bem o seu papel. Porém, não no que diz respeito aos voos.

Mas, o maior equívoco de Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2 é a história mirabolante construída para irmanar Pooh e Christopher. Esse plot twist capenga tem como base o trágico desaparecimento de crianças no passado. Rhys Frake-Waterfield apresenta a situação e não a elabora ao ponto de transformar cada embate posterior numa disputa muito mais profunda.  É bizarro que, ao saber de tudo pela boca homem que conta atrocidades voluntariamente – o famigerado monólogo do vilão resumindo algo fundamental à trama –, o protagonista humano não dê qualquer indício de ter compreendido a verdade escancarada diante de seus olhos. Das duas uma: ou ele é muito menos perspicaz do que o filme quer fazer parecer ou a direção simplesmente passa batido por alguém em sofrimento por descobrir a origem tão peculiar do seu algoz, assim desperdiçando o potencial dramático, Em vez de apostar nessa construção de personagens que poderia aliviar certas falhas narrativas do filme, o cineasta deixa tudo se tornar gradativamente banal. Como quando Christopher descobre uma pista do passado durante a hipnoterapia.  Estamos diante de uma continuação pouco inventiva visualmente, com um desenho de som preguiçoso que repete  sempre um par de barulhos (ossos quebrando e carne cortada), sem atuações positivamente destacáveis e que ainda aproveita muito mal o fato evidente de ser filiado ao subgênero slasher.

No slasher, subgênero do terror popular nos anos 1980, é imprescindível que o assassino faça uso de materiais cortantes para brutalizar as vítimas. Nem sempre Pooh e seus capangas cortam ou perfuram as pessoas em seus caminhos, mas Rhys Frake-Waterfield faz determinadas alusões a esse modelo, sobretudo por meio da reprodução mecânica de seus componentes. Num ponto de Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2, especificamente quando o drama familiar ainda tenta pegar no tranco e as mortes selvagens não empolgam já há algum tempo, o realizador coloca Pooh tocando o terror numa rave cheia de pessoas vestindo transparências e rebolando seminuas. A quantos filmes slasher você assistiu em que personagens com vida sexual ativa são os primeiros a morrer, nos quais virgens são preservadas como as final girls –  denominação das garotas castas que sobrevivem para enfrentar o inimigo? Mas, Rhys Frake-Waterfield não recorre a esse clichê de gênero de modo criativo, somente aproveitando um lampejo da situação para mostrar Pooh e amigos na matança impiedosa que serve para acentuar um esforço fetichista vazio e a falta de dinamismo. Essa equação transforma até as imagens mais supostamente chocantes em Indícios de esterilidade. Nesse filme que nos ameaça com outra sequência nos seus momentos derradeiros, as barbaridades são tão mal construídas que perdem logo a capacidade de chocar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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