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Crítica
Quando o Brasil eclodiu numa das maiores ondas de protestos de sua história, em junho de 2013, muita gente vestiu a máscara de Guy Fawkes sem nem saber de onde a figura vinha. Para muitos, se tratava de um símbolo do Anonymous (grupo hacker que se apoderou da iconografia criada por David Lloyd nos quadrinhos escritos com Alan Moore). Para outros, era a máscara do V de Vingança, o filme mesmo, que, de alguma forma, resistiu no imaginário popular. Lançado em 2005, conta a história de uma Inglaterra futurista onde a tirania é o regime de governo. Na melhor inspiração orwelliana, todos são vigiados, o controle é absoluto e o conservadorismo impera. Nesse contexto, Evey (Natalie Portman, pagando de heroína bem antes de Thor, 2011), funcionária de uma empresa de TV, acaba topando com V (Hugo Weaving, surpreendente), uma espécie de rebelde vingador que prepara um atentado de proporções épicas contra o regime autoritário. Após esse encontro, as vidas de ambos mudam, enquanto também são ameaçadas pelo governo, que os persegue de perto.
Muita gente credita V de Vingança às irmãs Lilly e Lana Wachowski. Até por ter sido lançado em 2005 e carregar o nome dos cineastas, o filme foi vendido como a nova produção "dos caras por trás de Matrix (1999)". Mas quem assiste ao longa percebe, apesar de algumas influências, que ele não é muito o estilo de Lana e Andy. Pudera. Embora os irmãos assinem o roteiro e a produção, entregaram a adaptação dos quadrinhos nas mãos de um de seus protegidos, que já havia sido diretor assistente na trilogia Matrix: o australiano James McTeigue. Ele mantém alguns elementos que aprendeu com seus mentores: a construção épica da decupagem – que opõe indivíduo e Estado na devida proporção – a câmera lenta e fluida, reproduzindo o efeito "bullet time", e os tons sombrios são bons exemplos. Mas o australiano parece muito mais interessado no lado humano de seus personagens e na construção de espaços diferentes, quase kistch, mas repleto de referências interessantes.
É divertido, por exemplo, notar como o lugar onde V mora (e para onde leva Evey) guarda semelhanças com aquele calabouço habitado pelo Fantasma da Ópera, que, por sua vez, tem ares de A Bela e a Fera (1946), de Jean Cocteau. V chega, inclusive, a quebrar um espelho, reproduzindo o gesto e o simbolismo de seus companheiros de referência. É importante ter em mente que o personagem saiu de uma graphic novel, porque ele é quase sobre-humano em suas habilidades, resistência, inteligência e poder.
Evey também é uma personagem interessante. Não apenas por seu nome, que lembra "Eve" (Eva, a primeira mulher), mas também pelo seu passado complexo e a forma como deseja encarar seu futuro. Esse paralelo fica bastante claro quando há uma comparação entre os momentos em que V e Evey decidiram se levantar contra o sistema: ele é batizado no fogo. Ela, na chuva. O que também diz muito sobre as motivações e passado de cada um. É claro que muitos desses elementos vêm da história em quadrinhos, por sinal muito mais complexa do que o filme – a graphic novel chega a explicar em detalhes como é feita a programação de TV no futuro distópico em que a história transcorre. No entanto, roteiro e direção souberam aproveitar com destreza esses detalhes para fazer do filme mais do que uma simples aventura cinematográfica.
O uso da Abertura 1812 de Tchaikovsky como trilha sonora das duas cenas mais monumentais do longa ajudam a dar ao conjunto uma grandiosidade que, por algum motivo, não é acompanhado pelas imagens. Embora estas sejam igualmente belas. De qualquer forma, V de Vingança cumpre seu papel de despertar a esperança de que, ainda pelas mãos de poucos, é possível mudar a realidade de muitos, algo típico dos épicos. E, para o Brasil, a coisa ganha uma proporção ainda maior. Afinal, aquela máscara que espreita pelas vielas de Londres é a mesma que marchou pelas nossas avenidas num junho nem tão distante. E conhecer sua história (que remonta a dois séculos atrás) só tem a enriquecer o discurso de quem quer ir pra rua...
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