Crítica
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Sinopse
Crítica
Vindo de trabalhos bem recebidos nos anos 80, como Águia na Cabeça (1984) e Jorge, um Brasileiro (1988), o diretor Paulo Thiago adentrou a década seguinte com este Vagas Para Moças de Fino Trato, adaptação da aclamada peça Há Vagas Para Moças de Fino Trato, do dramaturgo mineiro Alcione Araújo (1945 – 2012), que também assina o roteiro da versão cinematográfica. A trama acompanha Gertrudes (Norma Bengell), uma professora de piano amargurada que aluga os quartos de seu apartamento de classe média em Vitória para duas garotas: a sonhadora Lúcia (Lucélia Santos) que passa os dias alheia ao mundo, trancada em seu quarto, e a extrovertida Madalena (Maria Zilda Bethlem), enfermeira em uma instituição psiquiátrica que vive entre relacionamentos superficiais com os mais diversos tipos de homens.
Sob um ponto de vista essencialmente feminino, o longa coloca em foco algumas das principais angústias da sociedade moderna, como a dificuldade de se comunicar com o próximo e o medo da solidão. Esses temas surgem dos conflitos diários entre as três protagonistas, mulheres de diferentes idades e personalidades, mas que de certa forma estão unidas por um desejo em comum, a busca por afeto. Algo que tentam encontrar não só no sexo oposto, mas também entre si. Apesar de se estabelecerem como figuras opostas em constante confronto, Gertrudes e Madalena têm em Lúcia um forte elo emocional. Para a “dona da pensão”, a garota representa um meio de saciar seus instintos maternos, por isso a chama de filhinha e a trata como criança. Já com a inquieta enfermeira, a dinâmica criada é a de pupila e tutora, através de trocas de confidências e ensinamentos.
Apesar de fazer o máximo para driblar a origem teatral do material, utilizando especialmente as aventuras noturnas de Madalena para ampliar a ambientação, a ação se concentra basicamente dentro do antigo apartamento, detalhadamente registrado por Paulo Thiago, que movimenta sua câmera com extrema fluidez por cada cômodo do local. Ajudado pela premiada cenografia de Clóvis Bueno, o cineasta também realiza fugas esporádicas da limitação espacial através das sequências líricas de devaneios das personagens, gerando momentos visualmente inventivos, como quando Lúcia fantasia sobre o encanador Alfredo (Marcos Frota), vislumbrando-o como um trapezista visto através da janela da sala ou acelerando em sua moto pelas avenidas da cidade, ou ainda a cena em que Gertrudes se imagina realizando um concerto ao piano.
Se esteticamente o trabalho de Thiago é bem resolvido, o mesmo não pode ser dito em relação à condução da narrativa. A natureza episódica do texto gera um sério problema de ritmo ao longa, com diversas sequências se sucedendo sem uma conexão mais concreta e clara. As mudanças repentinas de comportamento das protagonistas também tornam problemática a construção de suas personalidades, colaborando para a sensação de um desenvolvimento truncado da história. O mesmo vale para as repetitivas transições - com imagens do mar capixaba – que parecem não ter um propósito definido a não ser elevar a metragem do filme. Há ainda a trilha sonora intrusiva que quase sempre soa deslocada, atrapalhando a criação da atmosfera de tensão em cenas como a do assalto ou a do desfecho do encontro de Madalena com o personagem vivido por Paulo César Pereio.
Voltando ao campo dos personagens, notam-se diversas lacunas em suas concepções. Todas aparentam ter uma grande complexidade, mas seus traumas anteriores são pouco explorados, permanecendo verdadeiros mistérios, como a suposta doença de Lúcia que, ao menos a princípio, parece sofrer de algum distúrbio psicológico, ou o passado de Gertrudes que inclui uma antiga paixão, além de um caso aparentemente envolvendo um aluno, algo sugerido por Madalena em determinado momento. Ainda que tenham de lidar com tais inconsistências, as três atrizes – que dividiram o prêmio de atuação do Festival de Brasília em 1993 - se empenham em seus papéis. Lucélia Santos consegue transmitir a aura pueril de Lúcia em sua constante dispersão da realidade, enquanto Norma Bengell se encarrega dos momentos mais intensos, como todo o delírio final.
Mas é Maria Zilda quem se destaca como Madalena. Divertida, sensual e totalmente à vontade, a atriz encarna a personagem mais dramaticamente equilibrada, que encontra no escapismo de suas relações fugazes tanto o conforto para seu vazio existencial quanto uma forma de se libertar. E é esse sentimento de libertação, bem exemplificado na cena da festa dada por Lúcia e Madalena, que termina por guiar o longa à sua conclusão. Cada uma das três mulheres, à sua maneira, encontra a liberdade – numa fantasia circense, numa paixão por um mergulhador ou numa espécie de acerto de contas com o passado – deixando para trás as amarras emocionais que as prendiam ao convívio naquele apartamento, exatamente como faz a câmera que se afasta do piano em direção ao horizonte no plano final.
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