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Vai Trabalhar Vagabundo é a quintessência cinematográfica da malandragem e da malemolência brasileira atrelada devidamente ao carioca. O protagonista Dino (Hugo Carvana) vive de pequenos trambiques, mas sua marginalidade está muito mais associada à forma como rechaça uma vida ordinária do que necessariamente às contravenções das quais lança mão para se dar bem. A música homônima de Chico Buarque, um dos hinos desse filme, fala justamente de alguém que precisa penhorar boa parte dos prazeres em função do trabalho, da adequação à sociedade da produção e do consumo. Esse sujeito, portanto, caminha na absoluta contramão de toda uma lógica vigente, privilegiando as amizades, deixando os compromissos aparentemente inadiáveis – incluindo aí as dívidas – para depois da diversão. Sua tentativa de flerte com uma caminhante da praia de Copacabana é interrompida pela constatação da gravidez da mesma. Sobrevém a isso seu caráter boa-praça, com votos de que o parto seja auspicioso. Dino não é um cafajeste, mas um fluminense com DNA de velhaco.
Hugo Carvana deambula pelo Rio de Janeiro em Vai Trabalhar Vagabundo deflagrando a cultura do subúrbio, os traços reconhecíveis da boemia e as idiossincrasias dos botecos apinhados de histórias para contar, como a da partida de sinuca mais emblemática da Cidade Maravilhosa. O flashback que mostra os verdes anos da rivalidade entre Babalu (Nelson Xavier) e Russo (Paulo César Pereio) é também a constatação, entre o saudoso e o pesaroso, de que as coisas estão mudando, entre elas os valores cotidianos. Em outra sequência do longa-metragem, um personagem fala da paisagem prestes a ser alterada pelos projetos urbanísticos que privilegiam o trânsito em detrimento da convivência puramente humana. Essa mutação, decorrente do chamado Milagre Econômico Brasileiro (1969-1973), é muito bem capturada nas bordas das interações de Dino com uma fauna diversa, que vai de loroteiros tais como ele, passando por contraventores perigosos, chegando à classe média não menos disposta a levar vantagem por meios ilícitos e golpes.
Vai Trabalhar Vagabundo é uma produção de linguagem despojada, na qual a câmera integra os personagens organicamente com a movimentação frenética das ruas. Numa espécie de movimento de resgate dos áureos tempos, Dino vai atrás dos homens que simbolizam o glamour de outrora com seu antagonismo nos panos verdes dos salões, resgatando-lhes do limbo provocado por instituições. O casamento faz Babalu se transformar num cara esforçado para ganhar trocados enquanto desperdiça o verdadeiro talento e a paixão. O Estado, com a desculpa de ajudar Russo com o alcoolismo, o trancafia numa casa de tratamento psiquiátrico, de modo semelhante, tolhendo sua maior potencialidade. O protagonista do longa, então, funciona como representante de um estilo de vida inevitavelmente experimentando o seu ocaso, mas que pode demonstrar toda sua glória nos últimos suspiros. Ele preserva a nossa vocação chanchadeira, assim como a narrativa.
Hugo Carvana faz de Dino uma das grandes figuras do cinema brasileiro. Seu sucesso com as mulheres é proporcional à capacidade de embromar credores e alvos de trambiques. Vai Trabalhar Vagabundo é alimentado por essa malandragem que lhe é tão peculiar, algo próximo deliberada e jocosamente às raias do absurdo em alguns instantes de pura galhofa, como quando, passando-se por comendador português, leiloa seu chapéu vagabundo por uma dinheirama a fim de ajudar um óbvio embuste travestido de cego em busca de grana. Carnavalesca, em consonância com o espírito romântico do Rio de Janeiro, a produção ostenta um elenco de primeiríssima. Além dos já citados, estão em cena os maiúsculos Odete Lara, Nelson Dantas, Zezé Motta, Wilson Grey e Otávio Augusto, além da bela Valentina Godoy que abrilhanta o conjunto. A cena final é uma ode ao gregarismo carioca, à disposição de esquecer rusgas e eventuais discordâncias em função de um bom passeio de bondinho e de cervejas geladas compartilhadas nas orlas das praias mais famosas do Brasil.
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