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Crítica


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Sinopse

Peter investiga os desaparecimentos de jovens mulheres num caso de tráfico sexual. A cada menina que encontra, lembranças de sua irmã Juli, sumida há mais de vinte anos, vêm à tona. Após uma ligação, Peter é convocado a voltar à sua cidade natal na Transilvânia para investigar o aparecimento de um cadáver que, supostamente, pode ser de sua irmã. Agora, além de enfrentar os criminosos locais, Peter também terá de lutar contra os próprios demônios.

Crítica

Diante de uma menor de idade prostrada sob quem a explora sexualmente, Péter (Csaba Krisztik) apresenta uma fúria para além da esperada, mesmo de alguém frente ao ato atroz que deve ser combatido com toda a veemência. Já fica evidente ali que ele é tocado num nível pessoal por esse tipo de circunstância espúria. Logo, num percurso bem didático, que conta com flashbacks mais explicativos do que qualquer outra coisa, ficamos sabendo que sua irmã pré-adolescente sumiu há mais de 20 anos. O cineasta Béla Bagota ressalta bastante que o protagonista de Valan: Vale dos Anjos não tem distanciamento para lidar com essa situação que arregimenta o passado doloroso e o presente não menos entravado. Os elementos de identificação vão se avolumando, vide o fato da vítima salva dizer que é conterrânea do benfeitor. Assim, o homem da lei é definido por essa proximidade, constatação encarregada de lhe nublar o julgamento. A passionalidade toma o lugar do senso de dever, ou pelo menos deveria, porque a trama vai deixando as nuances de lado a fim de abraçar o comum.

Personagens como Péter são frequentes no cinema. Sujeitos que deveriam cumprir suas missões, mas que não conseguem agir friamente por conta de um dado pessoal embutido na circunstância. É de se esperar, porém, que, em meio ao processo de investigação engatilhado por um caso específico – quem vem traficando meninas e/ou as assassinando na pequena cidadezinha, aparentemente pacata? –, esse embate entre a razão e a emoção ganhe espaço suficiente para acontecer numa lógica com certa complexidade. Porém, Valan: Vale dos Anjos passa batido por isso, de modo gradativo parecendo apenas empenhado em supostamente oferecer um percurso intrincado, assim pretensamente enredando o espectador num labirinto repleto de suspeitos. O hipotético é aqui empregado porque ao filme faltam as impressões de urgência e perigo. Péter tem uma reentrada banal nesse cenário que lhe traz lembranças potencialmente dolorosas. Figuras de antes ressurgem em configurações meramente ilustrativas ou comodamente dispostas para ele ter com quem interagir por ali.

Em dado momento de Valan: Vale dos Anjos, nos deparamos com a constatação de que há um criminoso agindo em série. Depois de tangenciar rapidamente o tráfico de crianças com o intuito da exploração sexual numa metrópole – bomba de fumaça ineficiente –, ele se depara com padrões, tais como as asas de anjos e o fenótipo das meninas desaparecidas um pouco antes das comemorações natalinas. Ora, é difícil de engolir que essa pequena comunidade não tenha atentado para tais parâmetros se repetindo escancaradamente. Se o enredo fosse ambientado numa metrópole, onde existe maior probabilidade de que esse tipo de acontecimento passe batido em meio a tanta coisa sendo processada, isso não seria necessariamente problemático. Mas, estamos falando de uma localidade daquelas em que todos praticamente se conhecem, nas quais basicamente tudo corre à boca pequena. Há uma conveniência incômoda na descoberta a partir da qual o filme poderia perfeitamente desenrolar-se. Nesse percurso, a subjetividade do protagonista é reduzida diante do enigma.

Há outros exemplos de engrenagens fatalmente ilustrativas em Valan: Vale dos Anjos. Uma delas, o abrupto enrosco sexual de Péter com a mãe da possível vítima. Nem bem catarse propiciada pelo sexo fortuito, tampouco chance de delinear outro nível pessoal num caso profissional. O escroto de ontem se transforma no bandido de hoje. O homem mais preocupado com a porta da casa, isso diante da tentativa de suicídio da esposa, se mostra realmente um tipo odioso. Boa parte dos personagens do filme são simplesmente o que deles se espera, sem nuances ou algo capaz de afasta-los de amarras arquetípicas. Béla Bagota confia demais em sua pressuposta capacidade de desviar a atenção do espectador do que (e de quem) realmente importa, mas acaba deixando escancarado que está fazendo rodeios – sem ao menos construir um painel consistente, pessoal e socialmente falando – até que tudo seja resolvido com devidas as notas tristes pré-encerramento. Consequências dos vínculos familiares e afetivos entram nessa dinâmica feita de simplificações e sabotagens.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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