Crítica
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Sinopse
Daiana está cansada de assumir a maior parte das responsabilidades atreladas ao seu filho pequeno. Ela decide sair e deixar o bebê com o pai, um jovem considerado boa praça, mas irresponsável. Mas, não é que ele perde o menino?
Crítica
A construção de imaginários é um processo lento e gradativo, geralmente atrelado a projetos de poder (de manutenção, usurpação ou contestação dele). Por exemplo, parte do senso comum lê as favelas estritamente como lugares marcados pela criminalidade. É assim que geralmente as comunidades são retratadas nos telejornais, nas reportagens e em grande parcela das novelas e dos filmes ambientados nesses espaços geográficos que têm outras facetas obscurecidas. Tendo isso em vista, o mérito de Vale Night é se distanciar dessas convenções recheadas de estereótipos. A primeira sequência é uma beleza (e com uma carga de liberdade) que não encontra equivalências no restante do filme. Nela, Daiana (Gabriela Dias) dança um funk pancadão com as amigas e o namorado, Vini (Pedro Ottoni), ostentando o barrigão de grávida. O cineasta Luis Pinheiro mata ali dois coelhos com uma cajadada: observa os bailes da periferia por uma ótica positiva (sem o lugar-comum dos traficantes armados ao redor, por exemplo) e ainda lança um olhar libertador à maternidade tantas vezes encarada como período de resguardo. O desejo de desmistificar a periferia continua ao longo do toda a trama, nas caminhadas dos personagens pelas vielas, na importância dada aos laços afetivos entre vizinhos e amigos, em suma, na noção de comunidade. Pena que as qualidades do filme se restringem a isso.
O protagonista de Vale Night é Vini, o rapaz boa praça cuja irresponsabilidade como pai e marido acaba sobrecarregando Daiana. Mas, antes mesmo que esperemos do filme uma postura firme/contestadora diante de temas sérios, é bom compreender que estamos assistindo a uma comédia descompromissada, embora em certas passagens o roteiro a cargo de Caco Galhardo, Renata Martins e Carla Meirelles queira vender uma imagem de engajamento político frontal. Vini é imaturo ao ponto de confundir seu bebê com o filho de um colega e nem se dar conta disso. Já Daiana é a jovem pé-no-chão que assumiu a bronca de se tornar mãe, esposa e dona de casa precocemente, mesmo que isso tenha lhe custado a escolaridade tão cobrada pela mãe. Há um tom de leveza na observação desse casal que vive às turras por conta da tensão entre a displicência dele e a responsabilidade dela. Daiana decide passar um fim de semana na avó. Vini deve cuidar da criança. Imaginamos que algo possa dar errado. E realmente dá. O filme utiliza a estrutura da comédia de erros, ou seja, parte de um equívoco (neste caso, da negligência) e constrói o painel em que uma “cagada” leva à outra. Vini perde o filho enquanto está dançando com os amigos, alguém carrega o bebê sem saber a uma festa e os personagens são obrigados a entrar numa busca frenética pelo vulnerável que perambula sem eira nem beira.
Vale Night perde boas oportunidades para potencializar um dado sugerido dentro desse senso de comunidade: a ideia de que o cuidado com as crianças é algo praticamente coletivo. Aliás, se pensarmos por esse ponto de vista, não é apenas Vini quem merecia uma bronca homérica por ter deixado um bebê desprotegido, mas também a DJ Pulga (Linn da Quebrada) que o transporta durante uma viagem de droga e a dona do bar que (mesmo diante da situação) não percebe o problema, etc. E, se em algumas questões o roteiro se desvencilha das amarras dos clichês, noutras ele apela de modo gritante aos lugares-comuns, vide o homem irresponsável (imaturo à paternidade) e a mulher forçada a se encaixar no papel de brava, exatamente como resposta ao comportamento do companheiro. Vini passa a trama toda mais preocupado com o fato de ser responsabilizado por Daiana do que necessariamente com a integridade física de seu moleque. Tanto Pedro Ottoni quanto Gabriela Dias estão num registro impróprio para a oscilação eventual entre comédia e o drama, uma vez que ambos exageram nas caras, bocas e sacadas espertinhas. Ele não transmite credibilidade, sobretudo porque as tentativas de graça em meio ao desespero de Vini parecem engessadas. Faltam fluidez e naturalidade à concepção do ator. Já ela tem sua personagem restrita a ora ser sisuda com o marido, ora se libertar um pouco disso.
Em Vale Night, o cenário é bem apresentado (não bem desenvolvido, mas bem desenhado), porém é difícil “comprar” as demandas das pessoas. O cineasta Luis Pinheiro escala um elenco quase integralmente negro, cria um ambiente repleto de ligações afetivas, além de rechaçar o olhar paternalista. Sem dúvida, pontos bastante positivos. Pena que ele construa um percurso previsível, além de desprovido de densidade e senso real de perigo (ao bebê, ao casamento, etc.). Além disso, certas pontuações soam mais como cumprimento de protocolos do que fundamentais ao tipo de abordagem escolhida. Exemplo disso é a MC da casa noturna Batekoo dizendo no microfone que é preciso respeitar os manos, as minas e as monas. Ótimo, mas o filme não abraça as mensagens sociais, sendo fundamentalmente uma peça de entretenimento, o que transforma essa cena numa manifestação solta. Depois de um desfecho abrupto encarregado de varrer para baixo do tapete complexidades que, assim, desaparecem convenientemente, o filme apresenta letreiros enfatizando o assunto da evasão escolar de mulheres periféricas. É outro momento avulso, haja vista que o longa não traz Daiana como protagonista e sequer elabora essa relação da renúncia materna com a exclusão social. Vini é o centro das atenções, aquele que faz a burrada até “aprender”. Para algo que começa questionando padrões, mover mundos e fundos para concluir que o aprendizado masculino assegura a felicidade geral é algo decepcionante.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 4 |
Francisco Carbone | 6 |
MÉDIA | 5 |
Adorei o filme, é isso mesmo pois na favela não é só violência, tem muita cultura e gente de bom coração