float(5) float(1) float(5)

Crítica


3

Leitores


1 voto 10

Onde Assistir

Sinopse

De tão focada em seu trabalho como ginecologista, Masha não percebe que está prestes a ser abandonada pelo marido. Ela vai lançar mão de todo um "arsenal de combate" para evitar perder seu amor para uma jovem.

Crítica

A premissa da única comédia presente no 1º Festival de Cinema Russo é corriqueira. Um casal aparentemente feliz dentro da sua rotina estabelecida repentinamente desmorona quando um descobre que o outro "pula a cerca". Masha (Anna Mikhalkova) é uma ginecologista ocupadíssima, tem pouco tempo às questões domésticas, estas completamente sob a responsabilidade do marido, Misha (Anton Filipenko). É interessante a inversão, tendo em vista o lugar-comum do homem assoberbado profissionalmente negligenciando a esposa dona de casa e os filhos. Mas, infelizmente a cineasta Anna Parmas não vai além de mostrar a realidade alternativa aos chavões de famílias marcadas pela necessidade de um cônjuge parar de trabalhar a fim de cuidar de casa. Aliás, Vamos nos Divorciar! não tem tantos apontamentos que deem conta da leitura das conjunturas e/ou tentativas de compreender motivações, anseios e impossibilidades. Até mesmo a ideia de conflito é desgastada no decorrer da trama que, simplesmente, mostra todas as coisas se encaixando.

Além da morosidade com a qual o filme observa as demandas de Misha e de Masha, ambos tentando seguir em frente sem a presença do antigo amor, Vamos nos Divorciar! passa longe de ser divertido, quando muito dispondo de situações ridículas que certamente podem soar mais ou menos engraçadas de acordo com a concepção de graça do espectador. Talvez por tentar fugir a um clichê enorme quando o assunto principal é o divórcio – o dos antigos casados percebendo, no fim das contas, que a felicidade estava bem ao lado e eles não a enxergaram –, a realizadora não incorra nesse jogo de arrependimentos. Isso se vê principalmente no novo cotidiano de Misha ao lago da beldade bem mais jovem que parece uma daquelas namoradas “boas demais para ser verdade”, a despeito da tola mania de esbofeteá-lo repentinamente. Até a necessidade de cuidar da avó da companheira fitness não se torna um problema para o recém-separado. Mas, a futura reaproximação com a mãe de seus rebentos igualmente é relativamente jogada na trama, o que acentua a indeterminação.

Curiosamente, Anna Parmas não deixa claro o que deseja com as ações e reações de Masha. Num primeiro momento, Vamos nos Divorciar! deixa a protagonista feminina se afogar num poço de culpa por ser bem-sucedida e atribulada. Ela se esquece dos filhos na creche (num relaxamento automático, pois o marido antes cuidava da dinâmica), adere ao discurso da mãe de que é a maior responsável pelo rompimento – tanto que se oferece pateticamente para zelar pela sexualidade na relação se os dois a retomarem. Não há, posteriormente, uma tomada de consciência a respeito de que cada parte tem seu quinhão no rompimento. Se, por um lado, Misha não é julgado por ter uma amante, tampouco é minimamente questionado quanto a isso, a não ser rapidamente por quem acaba recebendo a pecha de motivadora da ruptura. Diante da turbulência emocional, a cineasta fica num meio termo incômodo entre apelar à caricatura para relativizar determinadas atitudes, fazendo emergir o ridículo a fim de tornar a observação leve, ou pesar a mão numa leitura menos desleixada.

O principal problema de Vamos nos Divorciar! é a ausência de uma intenção consistente. Parece que a realizadora tenta compreender todos, sem ao menos dar-lhes espaço para consolidar quem são, como e porque agem de certos modos. Nem as contradições são aproveitadas nesse filme que não chega a ser enfadonho, mas distante do empolgante. Se pensarmos na trama como embate entre perspectivas masculina e feminina do divórcio, mesmo numa situação singular, Misha é apenas inquirido por ser intempestivo. Já a Masha cabem mais senões, partindo da prioridade ao trabalho e chegando à dificuldade para lidar com mudanças impostas pela nova realidade. Para coroar a narrativa um tanto desajeitada e morosa, sem algo que a eletrifique e, por conseguinte, lhe avive, a pegadinha do destino colocada a fórceps na jogada, tendo uma utilidade excessivamente conveniente para as peças se encaixarem. Anna Parmas não está preocupada em radiografar atribulações dos relacionamentos e diferenças de gênero perante a sociedade. Difícil ler qual é o seu objetivo.

Filme visto online no 1º Festival de Cinema Russo, em dezembro de 2020.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *