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Crítica


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Sinopse

As obras de Vincent Van Gogh, agora universalmente reconhecidas como obras-primas, foram ignorados durante sua vida, apesar dos esforços de seu irmão Theo em promovê-las. Com o declínio financeiro, a saúde metal do pintor se deteriorou.

Crítica

O título em português deste filme de Robert Altman nos induz ao erro de acreditar que veremos tão e somente uma cinebiografia do grande pintor holandês, famoso, entre outras coisas, por ter decepado a própria orelha. Na verdade, o que temos na tela é um retrato pungente da vida dos irmãos Van Gogh. Vincent (Tim Roth) é o artista incompreendido que não consegue comercializar sua obra e, portanto, vive à beira da pobreza. Theo (Paul Rhys) é o marchand, um homem de negócios, bem-sucedido de certa forma, mas que demonstra permanente frustração por não conseguir vender quadros dos quais gosta. Arte e comércio digladiam constantemente em Van Gogh: Vida e Obra de um Gênio. O gatilho desse embate ocorre numa cena brilhante, em que o futuro ecoa expressivamente no passado. Do concorrido leilão de “Os Girassóis”, passamos à imagem do artista deitado num quarto extremamente simples. A cada vez mais baixa voz do leiloeiro expõe as cifras astronômicas alcançadas, enquanto Vincent e Theo conversam sobre penúria. Um contraste e tanto.

Embora pareça mais adequado às regras sociais, Theo é atormentando por uma inquietação crescente. Ele tem muitas dificuldades para manter relacionamentos amorosos, não tanto pelo fato de ter sífilis, certamente um complicador, sobretudo na época retratada, mas por conta de uma herança sentimental pesada. Vincent ainda tenta estabelecer pontes de afeto, como quando convida uma prostituta a quem retratara para morar com ele, a despeito dos possíveis problemas a serem enfrentados, como o preconceito ou o próprio temperamento de sua pretendente. Van Gogh: Vida e Obra de um Gênio é um filme, mesmo enriquecido pelas questões que tangem precisamente à arte – sua valorização mercantil, a sublimação por meio dela, a singularidade da visão contida em cada quadro –, debruçado verdadeiramente sobre esses homens e seus demônios, frutos de uma criação essencialmente religiosa que se reflete na maneira como ambos encaram a vida, muitas vezes contrária às expectativas.

Para alcançar o êxito visto, Altman conta com o aporte de, ao menos, duas atuações excepcionais. Tim Roth compõe Van Gogh como um enigma praticamente indecifrável, cujo comportamento é condicionado pelo humor de sua inspiração. Assim, o homem e o artista surgem como frações indissociáveis, partes complementares de uma personalidade intrincada. Já Paul Rhys é não menos competente na concepção de Theo, o lado aparentemente mais sóbrio e estável dessa moeda, mas que, gradativamente, expõe os traços compartilhados pela consanguinidade. Vincent mergulha em sua loucura, chegando a inclusive mutilar-se e, mais tarde, a internar-se voluntariamente num sanatório, fase em que cria alguns de seus mais importantes trabalhos. Por sua vez, Theo embarca na aventura do casamento, colocando rapidamente tudo em risco por conta de sua inconveniente desarmonia, um estado que tampouco ele consegue explicar e/ou combater em função de uma fragilidade opressora.

Van Gogh: Vida e Obra de um Gênio possui uma atmosfera de instabilidade, atributo responsável por torna-lo ainda mais significativo no que diz respeito à captura das idiossincrasias dos Van Gogh. A relação tempestuosa de Vincent com o também pintor Paul Gauguin (Wladimir Yordanoff) reforça a complexidade que Altman tão bem consegue instaurar por meio de uma encenação rigorosa, mas, ao mesmo tempo, atenta à volatilidade inerente aos temas abordados, ou seja, com os poros devidamente abertos às vicissitudes. A temporada de ambos no Sul da França conduz de forma decisiva à ruína de Vincent, ele que de lá parte à instituição psiquiátrica e, mais tarde, a um beco sem saída. Mesmo distante, Theo é afetado pela queda do irmão, já que nela vê espelhada a sua. Esposa e filho não o satisfazem, nem a galeria de arte e seu sucesso efêmero. Os Van Gogh caminham, em paralelo, para o abismo, destino ao qual pareciam irremediavelmente fadados desde o começo desta ótima, e infelizmente pouco comentada, realização de um diretor afeito a demolir aparências e a investigar a fundo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Chico Fireman
6
MÉDIA
7

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