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Crítica


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Sinopse

Notório por sua capacidade de sedução, Giacomo Casanova tem um colapso nervoso na mansão em que mora. Quem lhe socorre é a editora Elisa von der Recke, interessada em saber quais as verdades por trás do mito.

Crítica

Giacomo Casanova é uma das figuras mais emblemática da História. Nascido em Veneza, viveu entre 1725 e 1798, sem nunca ter feito nada de muito notório. Não casou, não criou, não mudou a regra das coisas. Ou melhor, fez tudo isso, mas, literalmente, por baixo dos panos. Seu escritório eram as alcovas de mulheres de todos os tipos, idades, raças e credos. Irresistível conquistador, serviu de inspiração para a magia do cinema pela primeira vez em Casanova (1919), quase um século atrás. Desde então, já foi interpretado por nomes como Gary Cooper, Vittorio Gassman, Vincent Price, Tony Curtis, Marcello Mastroianni e Alain Delon, foi clássico e revolucionário como o Donald Sutherland de Casanova de Fellini (1976) e também leviano e inconsequente como o Heath Ledger de Casanova (2005). São tantas caras, gostos, gestos e intensidades, que é quase impossível imaginá-lo como um só. É por isso que um filme como Variações de Casanova surge no momento certo, ainda mais por contar com um intérprete como John Malkovich como protagonista, que faz da sua versatilidade a principal força de sua atuação.

O diretor e roteirista Michael Sturminger, que já havia trabalhado com Malkovich em The Infernal Comedy: Confessions of a Serial Killer (2010), seu longa anterior, recorreu ao ator para lhe propor um desafio múltiplo: oferecer ao mito não apenas uma composição fiel à lenda que se criou a seu respeito, mas também revisitá-lo hoje em dia, tanto em cena como nos bastidores. A trama, portanto, se desenvolve em diferentes níveis de leitura. Há o flashback, que acompanha a visita de madame Elisa (a alemã Veronica Ferres, de Regresso do Mal, 2015) a um Casanova envelhecido, decadente, que teria possivelmente abandonado a rotina de conquistas e desilusões em busca de algo mais crível e significativo, ao mesmo tempo em que ainda se deixa levar por novas e passageiras paixões. Ao mesmo tempo em que acompanhamos o confronto que se estabelece entre eles – ela atrás de quem ele foi, ou diz ter sido, e ele em busca de algum tipo de legado – os vemos replicados em suas versões contemporâneas, reais ou não.

A peça Giacomo é a sensação de Lisboa, e John Malkovich é sua maior estrela. Sua amiga, Jessica (Tracy Ann Oberman, de Hector e a Procura da Felicidade, 2014), decide prestigiá-lo, mas acredita que poucas vezes foi confrontada com algo mais desagradável. O julgamento é severo, mas a ironia não está apenas no palco, mas também nas coxias. Ao desmaiar durante uma cena, como o personagem requeria, a comoção foi tamanha que acabou atraindo a atenção da plateia, em particular da médica (Maria João Bastos, de Mistérios de Lisboa, 2010) que o assiste e parte para socorrê-lo. “Faz parte da peça”, lhe alertam. Sem voltar para o seu assento, ela segue ali em cima, observando tudo de perto em posição privilegiada. Ao seu aproximar do ator, enquanto este espera por sua vez de voltar à ação, tudo o que consegue articular é “você é gay?”. “Como você espera que um cavalheiro responsa a essa pergunta?”, retruca ele.

Muito se espera, se especula, se imagina a respeito de Casanova. E mesmo de John Malkovich, astro indicado ao Oscar, Globo de Ouro e Bafta, premiado nos festivais de Locarno, Moscou e Munique, que já viveu personagens como o Visconde de Valmont, o cavaleiro Athos, o rei Charles VII, Tom Ripley, Murnau, Dr. Jeckyll e Mr. Hyde, além de ter fingido ser Kubrick e até a si próprio. Com tantas caras, reais e ficcionais, qual escolheu para si mesmo? Acredita-se em tudo que se ouve, diz e fantasia, ou aposta-se no concreto, sensato e perceptível? Assim como numa obra lírica, da ópera à poesia, o caminho é muito melhor quando guiado pelas emoções de cada instante, ao invés da razão fria e crua.

Talvez nunca venha a se saber ao certo quem foi Casanova, o homem das mil mulheres, pois cada uma destas conquistas tinha sua imagem particular dele, e o que deixaram para a posteridade nem sempre dialogam entre si. Malkovich surge, portanto, como o missionário ideal para este desafio, ao compor todos e nenhum com igual intensidade, da fúria irascível enquanto atua – ou vive? – à simpatia dissimulada ou arrependimento calculado daquele que se esconde por trás da máscara, seja hoje ou três séculos atrás. Variações de Casanova não carrega respostas prontas – e nem se preocupa com isso. Seu papel é outro, manifestando-se no sentido de levantar dúvidas e revisitar conceitos. E ainda que o resultado por vezes possa soar moroso ou mesmo irregular, difícil encontrar aquele que ousaria discordar do seu maior acerto: o casamento perfeito que promove entre intérprete e personagem, criador e criatura como um só, mesmo sendo tantos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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