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Sinopse

​Xéu e Lidiane terão um filho. Ela faz pressão para que ele venda sua moto e consiga outro emprego. A notícia da gravidez e a visita dele a um primo na Maré trazem instabilidade para a relação.​

Crítica

Xéu e Lidiane estão felizes. Estão apenas os dois na praia, livres, leves e soltos. Se amam, sonham com o futuro que começa a se desdobrar diante deles e parecem não ter pressa para dar o próximo passo, aproveitando ao máximo o agora, despreocupados com o amanhã. Mas não por muito tempo. Jovens adultos, quase adolescentes, estão envolvidos o suficiente para que ela já esteja grávida. É a vez dele, portanto, se assumir como homem provedor, “cuidar da sua cria”, como ele mesmo diz. E se a vida no subúrbio carioca não é fácil e encontrar um emprego estável é uma tarefa cada vez mais difícil, talvez tenha chegado o momento de abrir mão de alguma coisa, em nome de outra. Vende-se Esta Moto, portanto, explicita no seu título o dilema do seu protagonista, em uma objetividade que percorre toda a trama.

Marcus Faustini é um cineasta de primeira viagem, mas não se pode acusá-lo de não dominar o assunto sobre o qual se debruçou. Ele próprio oriundo dessa realidade desfavorecida, afirma ter buscado, com essa sua primeira experiência cinematográfica, realizar uma geografia afetiva da cidade onde nasceu e sempre morou. “Rio de Janeiro não é só zona sul, é muito mais do que o Leblon”, afirma. A periferia não está restrita às comunidades afastadas dos grandes centros. Os moradores destas regiões também circulam por toda a cidade, e a tem para si tanto quanto qualquer outro habitante, independente do bairro por onde tenham suas casas ou empregos. Xéu tem isso muito claro. Ele vive no Batan, com a tia, e está sempre próximo da namorada ou amigos. Mas o primo mora na Maré, e quando parte em busca de uma oportunidade de trabalho, essa limitação espacial deixa de existir – para ele, é claro. Pois, para os outros, a distância segue sendo um impeditivo.

Esse afastamento se revela também no âmbito emocional. Xéu, aqui apresentado através de uma performance segura de João Pedro Zappa, assim como não se deixa abater pelas negativas que vai recebendo no decorrer dos dias, também parece não perceber as desilusões que se avizinham. Lidiane se declara apaixonada, mãe do seu filho e entusiasmada com o que o futuro reserva aos dois. Ao mesmo tempo, encontra resistência para conter os avanços da amiga com quem costumava trocar mais do que beijos fugidios, o mesmo se repetindo com o primo do seu atual parceiro, com quem teve um envolvimento anterior. Há uma rede de relações em movimento, e Xéu está ali, no meio, ainda que inconsciente. Estão todos com ele, ou contra ele? Ingenuamente – ou, talvez, mais perspicaz que qualquer um dos outros – ele mantém sua ignorância como chave de uma frágil felicidade.

Faustini parte destes seres socialmente desprivilegiados para propor muitas outras discussões. Por quê o poeta só vai atrás dos livros que encara como alimento apenas quando tem dinheiro e, no momento em que este volta a faltar, são os mesmos livros os primeiros a serem mandados embora? A educação assume, portanto, um papel transitório, que vai e vem. Seja na formação destes indivíduos ou no trato entre eles. O punk de frases líricas e, aparentemente, aleatórias, pode soar desconectado de um mundo real. Mas não estaria por detrás destas elucubrações as maiores verdades de todas? Aprender a lidar com a estranheza e jogar com ela a seu favor é uma arte dominada por poucos.

Ainda que as motivações por trás da feitura de Vende-se Esta Moto sejam necessárias a uma discussão que se revela cada vez mais pertinente no Brasil de hoje, o filme, enquanto expressão artística, não consegue evitar que suas carências sejam expostas. A fotografia parece improvisada, os atores soam um tanto perdidos vez que outra, e a própria narrativa sofre com a falta de um ritmo mais coeso. Poréns que podem prejudicar a fruição do espectador mais exigente, mas que, de forma alguma, escondem a importância do seu discurso. Tem-se, aqui, um filme urgente. Não um manifesto, como seu diretor faz questão de enfatizar. Mas uma demonstração de força. E a essas, cabe incentivar ou combater. O que, neste caso, evidentemente enfatiza-se a primeira opção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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