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Crítica


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Sinopse

Dois policiais investigam o assassinato de uma jovem numa cidade marcada pela segregação racial.

Crítica

Na primeira sequência de Vento Selvagem, vemos um sujeito (para lá de suspeito) subornando o policial Vusi (Mothusi Magano) para não ser multado por excesso de velocidade. Logo depois, o meliante gargalha ao prosseguir viagem impunemente enquanto alguém amordaçado grita por socorro no seu porta-malas. Levando em consideração que ao motorista é possível ouvir os clamores abafados da vítima na parte traseira do veículo, como o policial não percebeu nada disso? É assim mesmo, com uma incongruência grosseira, que começa essa produção sul-africana marcada pelas inconsistências de um discurso com várias tentativas e alvos. A metade inicial da trama é focada na corrupção e nos indícios de imoralidade de Vusi e de seu colega John (Frank Rautenbach), homens que patrulham uma área ainda muito tensionada pelos anos de Apartheid – sistema de segregação racial que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994. Mas, a temática racial será apenas encarada na segunda metade do filme, após uma guinada tão abrupta quanto desajeitada. Vusi inicialmente é observado como um homem que segue a máxima torpe “os fins justificam os meios”, algo escancarado na forma como defende o "fazer de tudo para garantir um futuro melhor à sua família". No entanto, o filme submete as complexidades morais a justificativas simplórias, isso quando não coloca ações e consequências diversas num balaio limitador.

Por exemplo, poderia perfeitamente fazer parte da contradição moral de Vusi a negociação com traficantes para conseguir o que o seu salário de servidor público não alcança. No entanto, a fim de ter as drogas para posteriormente barganhar com a bandidagem, ele e o colega executam três homens a sangue frio. É como se essa conjunção de atitudes e crimes fossem justificáveis a partir de demandas equivalentes. Mesmo que nenhum dos atos (roubo e assassinato) seja legítimo, há uma diferença fundamental entre trocar entorpecentes de mãos ilegalmente e assassinar friamente concorrentes. Mas, para Vento Selvagem não há tanta diferença assim, pois ambos os gestos mostram que a polícia local é corrupta para sobreviver. Detalhe: nenhum outro homem ou mulher da lei sobressai, o que prejudica o desenho de um panorama policial mais amplo e indicativo. É leviano afirmar que os parceiros cometeram crimes porque tinham motivos suficientemente fortes para isso (um deles está prestes a ser pai e o outro a perder a sua fazenda, ou seja, não "têm saída"). O cineasta Fabian Medea sequer observa esses portadores de distintivos como vítimas de um sistema amplo de empobrecimento e exclusão. A ideia dele é lidar com os contrastes superficialmente e criar o terreno propício para enfileirar lições de moral sobre o crime não compensar. E o desdobramento das ações deflagra a natureza primária e inocente dessa abordagem.

Incapaz de elaborar algo convincente, principalmente tendo em vista as atividades questionáveis de Vusi e John, o cineasta precisa mostrar que elas geram coisas “ainda mais nocivas”. Como se roubar, assassinar e fraudar não fosse suficiente. Não basta mostrar Vusi aceitando propina, é preciso afirmar que sua vista grossa leva à impunidade do serial killer; da mesma forma, não basta vermos John ludibriar um inocente para ele assinar uma confissão de culpa, é preciso enfatizar que isso também gera morte. Portanto, estamos diante de personagens que utilizam o poder a eles conferido de modo autoritário, de certa forma desculpados pelo filme até que alguém morra. Sendo que os dois despacham mecanicamente três homens, sem nenhum peso nas consciência. A construção das consequências da contravenção como algo natural (sempre acabando em fatalidade) é uma das principais simplificações do filme. E da segunda metade em diante, o longa-metragem repentinamente começa a trazer para o seu caldeirão de conflitos as tensões raciais inerentes a um país que passou boa parte do século 20 mergulhado num racismo institucionalizado. Falta consistência também a esse discurso antirracista. Há, no máximo, as boas intenções de revelar os preconceitos ainda vigentes, mas de modo tão primário e sem densidade que a mensagem nunca se torna poderosa ou efetiva. Vusi descobre de uma hora para outra que o parceiro tem arroubos segregadores, assim como parte significativa da cidadezinha.

Aliás, outra coisa que depõe contra a fluidez de Vento Selvagem é a coincidência, sobretudo com relação a quem conhece quem na cidade. Por exemplo, o policial branco ter estudado com o pai da vítima e seu colega negro ser casado com a empregada do prefeito são fatores que servem somente como conveniências narrativas. Tais conexões não são utilizadas para estabelecer a ideia de que a localidade pequena é fundamentalmente provinciana. Aliás, retomando a figura do prefeito, sua explosão de raiva doméstica é gratuita ao ponto de servir estritamente como outro exemplo óbvio de racismo. A crise moral de Vusi também é forçada nessa tapeçaria repleta de furos. Uma vez confrontado pelo preconceito local (que ele parece ter descoberto como num passe de mágica), Vusi questiona as atitudes do parceiro branco e os motivos de a criminalidade ser mais intensa nas periferias que ele ajuda a oprimir. Porém, essa crise de consciência não progride. Tudo é genérico no drama indeciso entre a ação e a radiografia social. As pessoas são robotizadas e desprovidas de tonalidades. humanas Para coroar a experiência marcada pela sucessão de lugares-comuns e a falta de maturidade cinematográfica, o confronto pseudo-redentor em que o assassino por nós conhecido é revelado aos personagens. Fabian Medea erra a mão em várias coisas, inclusive nesse encerramento em que a derrota do vilão traz certo alívio. É como se os crimes dos policiais e o racismo fossem extintos junto com o lobo mau.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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