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Sinopse

A fim de poder cuidar da avó numa pequena vila à beira-mar, Shirley deixa para trás sua vida na cidade grande. Ela dirige um caminhão numa plantação de cocos, ama rock e sonha com uma carreira de tatuadora. Logo, se sente sufocada pela monotonia da rotina. Mesmo assim, namora um rapaz que também trabalha na fazenda e que ocupa seu tempo livre com mergulho. Um pesquisador de sons de marés e ventos chega à cidade e muitas outras coisas mudam com a mudança das marés.

Crítica

Recebido com entusiasmo devido a uma expectativa que se deve tanto ao histórico do diretor Gabriel Mascaro, que após premiados documentários e curtas-metragens está finalmente estreando na ficção em longa-metragem, como pelo belíssimo pôster de divulgação, que estampa um casal de corpos nus sob um mar de cocos típicos do nordeste brasileiro, Ventos de Agosto é um filme realizado com carinho e delicadeza, dois elementos que, felizmente, se mostram evidentes na tela. Sem querer reinventar a roda e muito menos se repetir de forma obtusa, o cineasta constrói um longa fundamental ao contexto atual do cinema brasileiro, libertário em seu discurso sem ser didático ou enfadonho, investindo ainda tanto na criatividade quanto no apelo estético. As ousadias são muitas, mas tão discretas e distribuídas com tamanha parcimônia que, ao invés de chocarem, envolvem o espectador de modo irresistível e arrebatador.

Após ser lançado mundialmente no Festival de Locarno, na Suíça, de onde saiu com uma Menção Honrosa, Ventos de Agosto tem percorrido uma feliz carreira por eventos do gênero, passando de Vancouver a Brasília, de Hamburgo a Chicago, de Londres a São Paulo. Por todos, é possível perceber pelos comentários gerais o encanto provocado pelo visual proposto pela narrativa, que só não é maior do que as discussões provocadas por esta trama de muitos focos, mas nunca desorientada. Os elementos estão dispostos aparentemente desconexos, e como se estivesse sob o efeito de um caleidoscópio, a imagem se reflete em muitas, ainda que seja apenas uma. A função de juntar essas peças é dividida com a plateia, que termina por embarcar neste caminho sentimental por um Brasil tão próximo e, ainda assim, praticamente desconhecido.

Shirley (Dandara de Morais, melhor atriz em Brasília) deixou a vida em São Paulo em ponto de espera, enquanto retomava um cotidiano quase utópico na pequena vila à beira mar onde nasceu, lugar que se encontra agora para cuidar da avó idosa. Lá, ao mesmo tempo em que se ocupa com banhos de sol e dirigindo o caminhão a serviço de um coqueiral, vai curtindo os momentos ao lado do namorado, Jeison (Geová Manoel dos Santos). O rapaz trabalha na plantação e em qualquer outra atividade que lhe chamem, como auxiliar na casa do pai, pescador em alto mar e até guia de um meteorologista que ali aparece para desenvolver um estudo sobre a força dos ventos na região. Naquela vida quase sem surpresas, em que todos os dias apontam para o paraíso, porém numa monotonia quase demoníaca para os insatisfeitos, os dois terão suas rotinas testadas quando uma tragédia se impor em seus caminhos, obrigando-os a lidar com questões até então ignoradas.

Um dos pontos mais interessantes de Ventos de Agosto é a forma como Gabriel Mascaro desenvolveu sua história, oferecendo protagonismos alternados para seus dois atores principais. Porém, um olhar mais atento revelará a coadjuvância em ambos em relação ao ambiente onde estão inseridos, mostrando-os como frutos de uma natureza selvagem e perene, de força inigualável. A fotografia muito bem selecionada e o incrível trabalho de som executado são outros pontos fortes da produção, que no entanto de nada serviriam se não fosse o olhar aguçado do realizador e sua total segurança em relação ao que pretendia expor. E assim, de forma enxuta, precisa e sem excessos, tem-se um filme maduro e tocante, que torna-se universal justamente por falar com propriedade daquilo que lhe é próprio, com o particular abrindo-se para o mundo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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