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Crítica


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Sinopse

Alex é salvo da morte em seu aniversário de 16 anos pelo então desconhecido David. O naufrágio na Normandia os aproxima. Alex acredita que acabou de conhecer o amigo de seus sonhos.

Crítica

François Ozon é um dos grandes nomes do cinema francês contemporâneo. Em suas obras, lançadas a um ritmo impressionante – uma nova a cada um ou dois anos, mais ou menos como o norte-americano Woody Allen até pouco tempo atrás – é possível identificar alguns interesses em comum, como a forte sexualidade e uma admiração inegável à era de ouro de Hollywood. Pois estas duas características se manifestam com força em Verão de 85, seu vigésimo segundo longa como realizador. E se num instante inicial a primeira percepção parece se destacar com maior intensidade aos olhos menos atentos – afinal, trata-se do romance entre dois adolescentes em um vilarejo à beira-mar – será esse segundo viés o determinante, principalmente diante daqueles capazes de assimilar cada pequena pista espalhada pela trama. Ao mesmo tempo em que brinca com o espectador, Ozon diverte-se ao criar uma história aparentemente banal, mas dotada de tantos méritos que consegue fazer desse conjunto uma soma ainda maior do que o valor de suas partes em separado.

Logo no começo, Alexis (Félix Lefebvre, de O Professor Substituto, 2018) se vê em maus lençóis: após sair para navegar com o pequeno barco emprestado por um amigo, uma reviravolta no tempo o pega desprevenido e, na tentativa desastrada de retornar ao lugar de origem, acaba emborcando a embarcação. Desesperado, eis que um desconhecido surge para ajudá-lo. David (Benjamin Voisin, de O Príncipe Feliz, 2018), no entanto, é apresentado à audiência pelo protagonista da seguinte forma: “este é o rapaz que irá morrer daqui a seis semanas”. O anúncio não deixa de ter o seu impacto: o que esse estranho irá fazer que acabará determinando sua condenação? Quem será o culpado pelo seu falecimento? E como essa tragédia irá afetar o narrador, uma vez que os dois estão recém se conhecendo? Sem pressa, serão justamente essas as questões com as quais Ozon irá se ocupar pelos próximos 90 minutos.

David passa a olhar Alexis não como um possível amigo, ou um novo colega, mas como uma presa a ser caçada. Ele se mostrará imbatível na determinação de fazer do rapaz em apuros a sua nova conquista: primeiro, amizade, depois, sexo. No entanto, se para um essa relação é não mais do que um jogo a ser alcançado, para o outro o peso de cada uma dessas ações será muito maior. David está se divertindo. Alexis está se apaixonando. Se por um lado é público e notório que quando uma matemática como essa se apresenta fora de sintonia os resultados costumam ser catastróficos, ao menos para um dos lados, aqui a afetação aumenta, uma vez que o destino de um deles já é sabido desde o princípio. Para potencializar a tensão, há o fato de que maior parte da trama se desenvolve em flashback, enquanto que, no momento presente, acompanha-se uma investigação a respeito do possível envolvimento do que sobreviveu na morte do outro. Uma ligação que ninguém simpático ao relacionamento do dois gostaria que fosse concreta.

Porém, há um detalhe discreto, mas revelador, que serve como indício sobre como se dará a condução dos acontecimentos. No quarto de David, onde os dois passam a maior parte dos seus dias, um envolto pelos braços do outro, há em exposição, logo acima deles, um pôster nada discreto de De Repente, No Último Verão (1959), clássico estrelado por Katharine Hepburn, Elizabeth Taylor e Montgomery Clift. Neste, o personagem de Clift decide investigar o que teria acontecido com o jovem Sebastian (que nunca chega a ser mostrado em cena), filho de Hepburn que teria falecido durante uma viagem com a prima, interpretada por Taylor. As mulheres se acusam mutuamente, como se ambas fossem culpadas pelo ocorrido com o rapaz. Pois bem, François Ozon parte dessa mesma estrutura – a mãe enraivecida e cega (Madame Gorman, papel de Valeria Bruni Tedeschi, perfeita tanto na afetação como no desprezo), o conquistador irresponsável (David, que paga um alto preço por isso), o que sofre nas mãos daquele que amou (Alexis, incapaz de alterar o rumo dos fatos) e aquela alheia aos eventos que acaba servindo na elucidação do caso (a jovem Kate, vivida por Philippine Velge) – para fazer a sua releitura não assumida de Tennessee Williams. Ou seja, Ozon conseguiu deixar ainda mais gay o texto do autor.

A partir dessa percepção, acompanhar Verão de 85 se demonstra uma atividade prazerosa não pela rigidez do cineasta, que segue a fórmula proposta em todos os âmbitos, mas também rica em detalhes ao perceber como o condutor dessa nova história é eficiente em recriar elementos consagrados e tornar a oferecer os mesmos ao público de uma maneira revigorada e enriquecedora. Assim, o cineasta faz de seu filme não apenas um conto de perda e desilusões, mas também de recomeços e resgates, tudo combinado a um misto de homenagem e apropriação que tem tudo a ver com o perfil daquele por trás das câmeras – e também capaz de ir de encontro com os anseios e ambições de uma cinefilia não preocupada apenas em reciclar velhos contextos, mas em oferecer respeito a esses ao mesmo tempo em que renova seus artifícios a ponto de empregá-los na construção de algo original e capaz de atrair olhares até então distantes.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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