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Crítica


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Sinopse

No verão de 1981, o rock underground chegava na Rússia Soviética, mais precisamente em Leningrado, onde hoje localiza-se a cidade de St. Petersburg. O jovem Viktor Tsoi ganhou fama internacional e tornou-se o primeiro grande representante russo do gênero. Além da música, ele também ficou conhecido pelas polêmicas relacionadas a sua vida pessoal, como o triângulo amoroso que viveu junto com o seu mentor musical, Mike, e a esposa dele, Natasha.

Crítica

Verão fala sobre a efervescente cena do rock underground na Leningrado do começo dos anos 80. O controle governamental transparece na curiosa vigilância de agentes num show apinhado de gente, mas no qual há severas restrições, por exemplo, ao movimento em resposta aos acordes e às letras. Há muito de violência nessa repressão que, assim, tolhe a possibilidade da plateia de ser acachapada como bem gostaria. Mike (Roman Bilyk) é um dos músicos mais famosos de uma trupe muito influenciada pelas grandes bandas britânicas e norte-americanas, inspirações devidamente postas no decurso do longa-metragem. A produção de Kirill Serebrennikov exala uma nostalgia festiva, conservando traços agridoces ao remontar a um passado em que a arte e a jovialidade faziam frente, mesmo que veladamente, ao regime em vigor. É uma ode ao próprio rock and roll, ao inconformismo que lhe é peculiar, com espaço generoso para execuções musicais em meio ao registro de fatos e personas reais.

Visualmente, a estilização dá o tom da singularidade de Verão. Fotografado num bonito preto e branco, o filme ganha cores quando recorre a imagens supostamente do passado, utilizadas para ilustrar melhor a saudade que perpassa a urdidura da trama. Nesse cenário, Viktor (Teo Yoo) surge como um talento nato, compositor de mão cheia, de letras pegajosas e melodias que levam em consideração inspirações diversas. As conversas são permeadas por citações diretas a álbuns famosos, a artistas como David Bowie, Blondie, Sex Pistols, Led Zeppelin e toda a riqueza de uma fortuna ocidental. O roteiro possui uma bem-vinda porosidade, não se aferrando demasiadamente à progressão demarcada por circunstâncias estritas. Assim, a ascensão do novato, primeiro nos círculos fechados, e, segundo, nos meios especializados, acontece concomitantemente ao seu amadurecimento num âmbito amplo. Ele e Mike representam esferas imprescindíveis para a música local. Maturidade e novidade se interligam.

Ainda no que tange à imagem, Verão é assaltado ocasionalmente por uma dinâmica ilusória que quebra qualquer resquício de inclinação naturalista. Nesses instantes, o filme se torna verdadeiramente um musical, com personagens cantando hits desbragadamente e transeuntes, a priori somente figurantes, soltando a voz para ampliar o coro. Tais excertos são marcados, também, pela intrusão de um grafismo que visa afrontar o ímpeto careta vigente por conta das diretrizes estatais. O retrato cheio de particularidades cai um pouco na área do banal quando é desenhado um triângulo amoroso envolvendo Mike, sua esposa Natasha (Irina Starshenbaum) e Viktor. As duas pontas dessa equação roqueira, portanto, chegam a dividir a musa inspiradora, desenhada como uma mulher de personalidade que faz valer seus desejos, embora não fuja de ser confrontada por dilemas e afins. Essa subtrama afetiva, contudo, apenas deflagra a fragilidade emocional dos personagens, mas sem fazê-lo de maneira loquaz.

Verão é um filme vibrante. Kirill Serebrennikov não se furta de mesclar texturas e sonoridades para, antes de tudo, criar um percurso sensorial instigante. Viktor, que ameaça tomar para si o protagonismo, se torna um coadjuvante de luxo de Mike, a real figura principal, aquele que carrega a responsabilidade do estrelato consolidado, a estabilidade da vida de casado e de pai, sendo um paradoxo ambulante, vide as circunstâncias em que se encontra como representante da rebeldia domada à força. A forma como ele encara o desejo da esposa pelo recém-chegado atesta sua experiência, com certas doses de resignação que não têm a ver com covardia, pois relativas ao respeito a outrem. Oscilando entre as conjunturas macro e a micro, a produção conserva uma ludicidade ligada à manutenção das esperanças de uma juventude fervilhando de coisas a expressar, mas impedida por grilhões poderosos. O contexto político acaba ligeiramente preterido nesse itinerário cuja primazia é a homenagem ao rock.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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