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Crítica


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Sinopse

Conhecido como Pits, o soldado William H. Pitsenbarger Jr. teve atuação destacada na Guerra do Vietnã. Entretanto, levou mais de 30 anos para ser devidamente reconhecido pelo exército norte-americano.

Crítica

Baseado em fatos, Verdade e Honra se propõe a embutir uma jornada de transformação pessoal dentro de uma missão de reparação histórica. O protagonista é Scott (Sebastian Stan), burocrata do departamento de Defesa dos Estados Unidos incumbido de revisar a condecoração dada a um soldado morto na Guerra do Vietnã, ou seja, há cerca de 40 anos. Preocupado com os rumos da carreira, ele reluta, mas não tem escapatória. Algo gradativamente evidente, porém perceptível desde o início, é que esse sujeito deriva do arquétipo do inescrupuloso carreirista modificando-se em contato com elementos que fogem à sua desmedida ambição. Contudo, até para que o filme fosse digno de valer-se bem de um modelo tão conhecido, seria preciso o cineasta Todd Robinson se dedicar ao processo prévio de delineamento sólido da personalidade a ser subvertida. Não é o que acontece. Assim como as demais pessoas, ele acaba reiterando as mesmas coisas a respeito de si e do entorno, não indo muito além de servir como núcleo de um discurso piegas e patriótico.

Para que o percurso de Scott tivesse um impacto dramático, seria necessário apresentar com certo apuro como ele era antes de ser atravessado pelas histórias dos veteranos que vão ajudando-o a montar um quebra-cabeças repleto de episódios dolorosos e/ou indigestos. Não basta que um coadjuvante mencione seu pragmatismo e  sua natureza calculista cotidiana, algo vital para ele seguir pavimentando caminhos dentro da administração federal estadunidense. O personagem de Sebastian Stan é superficial, manifesta praticamente todas as suas dúvidas, frustrações e inclinações, não deixando nada às entrelinhas ou ao subentendido. Verdade e Honra é um filme daqueles didáticos, em que frequentemente a imagem reitera a banda sonora (e vice-versa) e os diálogos reafirmam aquilo que acabamos de testemunhar e constatar. A concepção de Tara (Alison Sudol) é do tempo em que passava relativamente despercebida a nocividade de ter uma mulher em cena servindo apenas como escora emocional para um homem resolvendo tudo. Ela é o principal indício de um anacronismo vigente.

Todd Robinson tem luxuosamente à disposição um timaço de intérpretes. William Hurt, Christopher Plummer, Diane Ladd, Samuel L. Jackson, Ed Harris e Peter Fonda representam gente cujo comportamento é estritamente condicionado por uma relação conflituosa com o passado bélico em comum. Ao invés de utilizar sabiamente esses nomes maiúsculos, quiçá dando a eles instantes (ainda que curtos) trabalhados para poderem evadir os limites dos estereótipos constantemente associados aos veteranos de guerra, o realizador (seguindo seu próprio roteiro) decide fazer de todos meros mentores circunstanciais. Verdade e Honra é bastante esquemático, possuiu estrutura e disposições previsíveis. Scott encontra um militar aposentado, ali se deparando com uma parte da herança cortante do Vietnã; corre para casa a fim de ganhar compreensão irrestrita da esposa sem subjetividade; encara a indiferença reinante no ambiente de trabalho;, por fim, reflete sozinho acerca de tudo. E assim, sucessivamente, até que as esperadas abnegações e sacrifícios imponham o ritmo de celebração, com uma melancolia mal disfarçada, articulada somente como um pano de fundo tolo.

Há uma pobreza considerável nos flashbacks no front, os que mostram a ação do integrante da Força Aérea que penhorou a própria vida para salvar a dos outros. Falta intensidade a esses momentos-chave, bem como à interligação de perspectivas distintas. Verdade e Honra tenta colocar em prática a construção de um painel intrincado, partindo da junção de versões levemente distintas de acontecimentos testemunhados por vários sobreviventes. Pena que Todd Robinson não se dedica à compreensão da volatilidade da memória, especialmente as geradas em circunstâncias limítrofes, na selva de um país hostil. Os vietnamitas são reduzidos a “eles”, sem qualquer tratativa quanto à humanização de quem também mais perdeu que ganhou com o conflito. As pouquíssimas contestações aos EUA são eclipsadas pela caminhada de um homem sendo levado a reinventar-se, deixando camadas de cinismo para trás num processo excessivamente simplificado. Colateralmente, ele acaba reafirmando a relevância da estrutura militar. O santo graal é uma medalha, ou seja, o objetivo é o reconhecimento do Estado a ser responsabilizado, ao qual todos acabam pedindo a bênção.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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