Crítica
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Sinopse
Uma observação do escritor Luis Fernando Verissimo enquanto ele vê o mundo ao redor se ouriçar com a chegada dos seus 80 anos.
Crítica
Filho de um dos maiores nomes da literatura brasileira (o saudoso Érico Verissimo), Luis Fernando Veríssimo é também uma referência no mundo das letras. Cronista bem-humorado que mescla acidez, ternura e olhar atento, ele conquistou aquilo que diversos filhos de pessoas célebres dificilmente conseguem ao seguir os passos dos pais: tornou-se um astro de luz própria. Em Verissimo, o cineasta Angelo Defanti dispensa as abordagens documentais mais tradicionais de recorte biográfico, ou seja, não faz um resumo de tudo o que aconteceu com esse agora autor octogenário, evitar percorrer da infância repleta de lembranças à velhice calma. A isso ele prefere registrar o protagonista num período de tempo específico: os 15 dias que antecedem o seu aniversário de 80 anos. Para tanto, Angelo opta pelo formato observacional, que muitos chamam de “mosca na parede” – quando os realizadores criam uma dinâmica na qual a câmera “desaparece”, não intervindo no cotidiano registrado com o intuito de passar despercebidos. De cara, parece uma decisão acertadíssima, afinal de contas estamos falando de um personagem introvertido, um homem de poucas palavras e gestos sutis mesmo na companhia de familiares e amigos queridos. Diferentemente dos filmes a respeito de personalidades expansivas, esse ótimo documentário lida com alguém cujo meio de expressão mais eloquente é a palavra escrita.
Retrato íntimo de um artista reservado incapaz de dizer não, Verissimo se aproxima em tom do curta-metragem Mauro, Humberto (1975), de David Neves, sobre o cineasta Humberto Mauro – também documentário a respeito de um gênio despojado da pompa em imagens cotidianas. Mas, Angelo Defanti radicaliza o processo observacional, pois não faz entrevistas diretas com o protagonista, sequer com as pessoas dos círculos mais próximos, também evitando imagens de arquivo ou inserções gráficas na narrativa. Habilmente, ele aproveita as entrevistas concedidas por Veríssimo em virtude da data comemorativa que se aproxima para oferecer ao espectador as raras palavras do escritor acerca de si mesmo. Temos pílulas da relação com o pai consagrado, de como Veríssimo encara a chegada das oito décadas de vida – ele afirma repetidamente, “a gente se distrai e quando vê está com 80 anos”. Angelo também acompanha Luis Fernando Veríssimo em eventos de homenagem, seja na capital paulistana onde uma plateia ávida absorve as falas do escritor como se ingerissem pílulas de sabedoria ou na pequena festividade montada na casa de repouso da qual o autor é vizinho no bairro porto-alegrense de Petrópolis. Mesmo quando o protagonista está fora do acolhedor ambiente doméstico, cercado de admiradores desconhecidos, o realizador se mantém muito interessado em como ele reage a tudo e a todos.
De certo modo, Angelo Defanti molda o seu método de trabalho ao ritmo de Luis Fernando Veríssimo, assimilando a aparente serenidade diante do mundo, desacelerando para realmente prestar atenção. As imagens mais bonitas de Verissimo são as do protagonista interagindo com familiares, brincando despreocupadamente com netos, insistindo para ver fotografias antigas da esposa quando o baú de imagens da família é aberto, cumprindo uma rotina de fisioterapia que visa fortalecer o corpo octogenário, entre outros flagrantes aparentemente sem nada demais. Sobre os inúmeros causos da vida e da obra de Luis Fernando Veríssimo podemos procurar nas enciclopédias, nos verbetes hospedados na internet e em outras fontes de informação. O que Defanti oferece como presente é a intimidade reservada do homem de família que, por acaso, herdou a genialidade do pai e a utilizou para pavimentar um caminho próprio. Na contagem regressiva à festa de 80 anos do escritor, o realizador propõe um encantamento pela rotina menos apressada do sujeito avesso aos telefones celulares e às mídias sociais, um ser da palavra escrita, lida e assimilada. É bonita a imperceptibilidade dessa câmera que se transforma em parte do cenário cotidiano dos Verissimo, mesmo que evidentemente prevaleça a noção de controle diretivo, ou seja, a prerrogativa do cineasta de escolher o que e como filmar cada uma das cenas.
No nosso imaginário, os ídolos são distantes e inacessíveis. Pessoas com um talento do porte de Luis Fernando Veríssimo tendem a ser encastelados no topo do Monte Olimpo, tratados mais como entidades extra-humanas do que como cidadãos normais. Verissimo nos concede acesso privilegiado à intimidade do artista longe da ideia de uma divindade intocada ou de alguém indisponível ao outro, mesmo sendo Verissimo um idoso fragilizado fisicamente pelo decorrer dos anos. Aliás, a passagem do tempo é expressivamente marcada pelas badaladas do enorme relógio de pêndulo que adorna a sala de estar da família, elemento reiterado que nos alerta sobre a importância do ótimo desenho sonoro para o resultado. Mas, Luis Fernando Veríssimo é também o gênio de pensamento ligeiro que a velhice não diminuiu, alguém que confessa não conseguir parar de escrever, mesmo que tenha uma vontade enorme de se aposentar. Como nessa fala que diz muito sobre paradoxos humanos, Angelo Defanti escolhe minuciosamente outros momentos aparentemente banais que, distribuídos ao longo do filme, acrescentam peças importantes nesse quebra-cabeça cujo resultado é a reverente imagem de alguém. É como se o cineasta compreendesse a impossibilidade de tirar o retrato completo do ídolo e, diante dessa barreira, observasse de modo zeloso e reverente o homem que se expressa por meio da escrita.
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