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Crítica


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Sinopse

Dois homens viajam até região rural em busca de uma antiga raiz atingida por um raio. Enquanto extraem a raiz, Beto auxilia Gaúcho na reforma do telhado de sua casa, que passa a ser ameaçada diariamente pelo fornecedor de materiais de construção por dívidas em atraso.

Crítica

E sem saber que era impossível, ele foi lá e fez”. A frase, célebre e supostamente de autoria do poeta francês Jean Cocteau, resume bem o impacto diante de Vermelha, longa de estreia do realizador goiano Getúlio Ribeiro. Afinal, por maior que seja a impressão de que, neste filme, tudo tenha sido obra do acaso, somente um cálculo muito preciso poderia levar a um resultado tão leve e despreocupado. Ou seria, realmente, uma conjunção aleatória de fatores que, assim que reunidos, deram origem a algo ainda maior do que seus elementos isolados? É bem provável que a segunda opção esteja correta. Porém, desconsiderar a precisão e o olhar acertado do realizador no comando de seu trabalho seria por demais condescendente. Este é, afinal, um conjunto que não pode ser desprezado justamente por tão bem manejar suas fraquezas, colocando-as a seu favor em um jogo que acaba por ser ganho na mesma medida em que desconsidera tal possibilidade.

Nascido como um projeto de curta-metragem, Vermelha aos poucos foi se transformando, durante a sua realização, até chegar ao formato em que agora se apresenta, com um pouco mais de 70 minutos. Neste processo, Getúlio Ribeiro trouxe para o centro da ação seu pai, familiares e amigos, todos envolvidos pelo instinto de oferecer uma luz aos pequenos eventos do cotidiano. O amadorismo da proposta é assumido por todos, e será essa falta de ambição talvez a chave de seu carisma. Os dias se passam da mesma forma para todos, seja na ficção ou na vida real. Mas quando essas duas possibilidades encontram um ponto de colisão, pouco importa se o episódio é verdadeiro ou não. Tudo irá depender de como é contado. Para quem e em que circunstâncias. O relato, nesse ponto, assume a condição de realidade, filtrado ou não pela ótica do outro.

Apesar da estrutura circular, com vários núcleos narrativos se desenvolvendo em paralelo, o grande personagem de Vermelha é Gaúcho, o pai. É ele quem tem planos para a reforma no telhado, que foge do cobrador e que, ao decidir acertar suas dívidas, se depara com uma notícia tão inesperada quanto providencial. Como nem tudo está fechado, nessa brincadeira em que vivos e mortos dialogam entre si, nem mesmo o inimaginável deixa de ser possível. O humor é inerente à sinergia que se estabelece, assim como a frágil condição que subverte a lógica da narrativa mais afinada. Além dele, há aqueles que vão até o meio do campo para arrancar uma raiz de árvore do chão – e o que fazer com ela segue sendo um mistério para os envolvidos – ou a moça que está sendo cortejada sem muita habilidade por um conquistador de ocasião, enquanto a mãe observa o que se passa sem deixar de emitir – ou ao menos registrar consigo – as suas opiniões. São como vértices interligados, donos de personalidades próprias, mas indissociáveis uns dos outros.

Como seria bom se existissem mais pessoas assim no mundo”, afirma a garota que teve sua cachorra, não por acaso batizada de Vermelha, resgatada por um vizinho ao ser levada por uma enchente. A fala, bastante pontual e empregada com força no início da trama, oferece também a resposta para os acontecimentos que estão para se desenrolar durante o enredo. São pessoas comuns, iguais a tantas outras, mas que de perto, mesmo sendo únicas, se tornam universais. Essa identificação é o maior dos méritos que Vermelha oferece ao seu espectador. Seja pela banalidade do dia a dia, da inconsistência das estruturas ou da inconsciência da própria ingenuidade, este é um filme que se eleva acima de qualquer mediocridade justamente por se colocar à disposição não apenas dos que se deparam diante dele, mas, principalmente, por manejar com equilíbrio a gama de percepções que tem a seu alcance. E ao almejar o mínimo, vai além e faz o que todo cinema deveria ter como primazia: comunicar-se.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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