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Sinopse

Pintor obsoleto por conta da visão deteriorada, Johannes está à beira de um colapso. Ele encontra numa famosa atriz em crise a inspiração para realizar a sua obra-prima. Mas logo esse vínculo entre eles gera uma obsessão nociva.

Crítica

O universo abordado em Vermelho Monet, primeiro longa dramático de Halder Gomes desde sua estreia com As Mães de Chico Xavier (2011) – e numa toada distante das comédias populares o tornaram conhecido, como Cine Holliúdy (2012) e Os Parças (2017) – poderia facilmente ser apontado como o das artes plásticas, voltado mais às elites (intelectuais e econômicas) e, portanto, distante dos seus trabalhos anteriores. Uma análise mais detalhada, no entanto, irá revelar que o que o move aqui, mais uma vez, é uma discussão a respeito do real e verdadeiro, versus o falso e apenas imaginado, que se comunica melhor com o seu viés cinematográfico costumeiro. No lugar de um malandro que tenta convencer incautos e respeito da possibilidade do sonho, o que propõe dessa vez são debates pretensamente elevados a respeito dos montantes financeiros que tais negociações são capazes de movimentar e o que um indivíduo pode ou não estar disposto a investir em busca não apenas da posse, mas do status que essa aquisição possa lhe conferir. São caminhos distintos, mas que levam a um mesmo lugar. E se até então o diretor vinha demonstrando habilidade em percorrer trilhas que lhes eram conhecidas, aqui decide investigar paragens distantes e que lhes são pouco comuns. A busca por originalidade é louvável. Mas os tropeços acabam se confirmando inevitáveis.

Há, no mínimo, duas histórias distintas lutando pela atenção do espectador. De um lado, um pintor em crise, não apenas pela ausência de sua musa – mais em um sentido figurado, uma vez que a mesma segue ao seu lado, porém na condição de cadeirante, sem mais poder lhe servir como inspiração – mas também por um problema pessoal que lhe afeta gravemente: sua visão está se deteriorando, e, com isso, as cores vão assumindo tons de cinza. Ele guarda consigo a ânsia por voltar a identificar a tal nuance de vermelho do título, uma vez tão parte do seu cotidiano – era a cor dos cabelos da amada – mas agora em vias de extinção pelo cerceamento pictórico que se descobre condenado. Substitui modelos e destrói telas sem arrependimento, em busca daquele relance de genialidade que por tanto o guiou. No entanto, destino diferente teve esse talento. Não mais capaz de mostrar por si próprio, passou a olhar pelo outros. E assim, fez do seu um nome conhecido apenas nos bastidores mais obscuros e menos divulgados: como um falsário a quem golpistas e enganadores recorrem apenas nos casos mais arriscados.

Do outro, no entanto, há a marchand em busca de uma obra rara e não divulgada que possa atender ao gosto do seu cliente mais exigente. Quando uma peça de imensa valia está em falta e não se é possível – ou não se acredita capaz – encontrá-la, resta aos mais afoitos a contravenção: a fabricação encomendada dessa fantasia. Eis o que faz quando solicita ao antigo parceiro a obra mais inesperada e, por isso mesmo, a mais cobiçada. Ela sabe da dificuldade dele, e portanto, trata de providenciar uma musa às pressas, que irá se materializar na tez ruiva de Florence Lizz, a garota-revelação que tem provocado alvoroço por onde passa. Mas a garota tem suas intenções particulares: da negociadora elegante aceita se aproximar como parte de um laboratório que a atriz necessita para a criação de sua próxima personagem. Cada uma delas tem seus motivos para embarcar nesse relacionamento. Obviamente, não esperavam que tais laços pudessem se mostrar mais sólidos que os interesses que os moviam originalmente.

Como se vê, não parece ser suficiente duas correntes contrárias. Por isso, se insiste na introdução de mais uma protagonista, de menor apelo e de ainda mais escassa verossimilhança. Essa inevitável confusão narrativa não seria o pior dos problemas, caso viesse acompanhada de diálogos elaborados, tipos bem construídos e reviravoltas surpreendentes – o que, infelizmente, carece por estes cenários. Há, pelo contrário, uma profusão de figuras genéricas e situações clichês, embaladas por conversas expositivas e declarações que beiram o risível que tão ensaiadas, aniquilando qualquer resquício de naturalidade que pudesse ser almejado. De um ateliê anárquico, com tintas espalhadas e conduzido por um artista sempre à beira de um ataque de nervos, a uma galeria asséptica e repleta de quadros desprovidos de vida e sentido, que esconde por detrás dessa máscara um misto de ganância e soberba, há ainda a estrela que nada fez para conquistar sua suposta celebridade – é parada na rua por fãs, mesmo estando em um país que lhe é estranho e sem nem ter começado o trabalho pelo qual foi chamada – mas já abusa de uma segurança falsa e de uma antipatia fria e calculada. Em meio há tanta artificialidade e didatismo, o mais difícil é, realmente, encontrar algo que soe minimamente real.

Como se o imbróglio desenrolado em diversas camadas não fosse suficiente, Gomes faz questão, ainda, de impor flashbacks que pouco colaboram em elucidar os mistérios com os quais poucos – tanto na audiência como na ficção – parecem estar interessados. Sua paixão pelo tema é visível – as referências transbordam com tamanha insistência que terminam por perder valor pela repetição – mas lhe falta distanciamento para ser objetivo e preciso nessa abordagem. No que diz respeito ao elenco, o mesmo desequilíbrio se confirma. Se Chico Diaz, com o pintor atormentado, faz milagres com o pouco que lhe é oferecido, driblando limitações – sua condição clínica é rapidamente relegada a um segundo plano, ao invés de ser determinante de sua conduta – oferecendo um pouco de dignidade a alguém que tinha tudo para justificar atenções demoradas, no sentido oposto tem-se uma Maria Fernanda Cândido desprovida de direção, perdida entre excessos e caricaturas, sem saber por onde se guiar e nem mesmo o que perseguir. Dessa forma, o desfecho que recebe é não apenas constrangedor, mas também irrelevante. Entre os dois encontra-se a novata Samantha Müller, que mergulha fundo em terreno raso, sem chances de alcançar o que estava em jogo. A verdade, portanto, não está entre eles: ficou aquém, no campo das pretensões, e dessas Vermelho Monet possui muitas, ainda que poucas tenham sido, enfim, sequer vislumbradas.

Filme visto em Recife em dezembro de 2022 durante o 26º Cine PE: Festival do Audiovisual

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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