Crítica
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Sinopse
A trajetória de ascensão do político Dick Cheney, que veio a se tornar o homem mais poderoso da política mundial. Empresário e burocrata, decidiu concorrer à vice-presidência dos Estados Unidos na campanha de George W. Bush, com uma condição: ser mais importante que qualquer outro que já tenha ocupado esse cargo antes. Após a eleição de Bush, é Cheney quem passa a comandar as principais decisões da Casa Branca.
Crítica
Com Vice, Adam McKay consolida-se enquanto um cronista ferino da vida pública norte-americana, especificamente dos bastidores do poder estadunidense. Em A Grande Aposta (2015) ele destrinchou com particular habilidade os complicados mecanismos financeiros que levaram à crise econômica dos Estados Unidos em 2008, se valendo de um bem-vindo didatismo irônico e agudo. Neste novo longa-metragem, cujo protagonista é o ex-vice-presidente ianque Dick Cheney (Christian Bale), suas lentes estão direcionadas a personagens determinantes em circunstâncias históricas das mais controversas da contemporaneidade. Há dois momentos relativamente distintos, embora umbilicalmente ligados. De um lado, o sarcasmo predominante na primeira metade, a de formação. Do outro, a solenidade que gradativamente toma conta, tornando a segunda parte um desvelamento sagaz de certas verdades inconvenientes, por assim dizer. Os diagnósticos que sobrevém à soma dessas duas porções organicamente interligadas são: ninguém é totalmente confiável e os que regem os rumos da nação soberana mundialmente estão apenas preocupados consigo.
Por meio da interpretação minuciosa de Christian Bale, Cheney é apresentado como personagem vicioso e complexo, especialmente passada a fase de bebedeiras e desajustes. A esposa, Lynne (Amy Adams, ótima), é a responsável direta por esse homem aparentemente sem futuro endireitar-se e rapidamente galgar degraus nas esferas do legislativo norte-americano, assumindo um comportamento engenhosamente discreto como secretário do político Donald Rumsfeld (Steve Carell). O futuro vice-presidente não é desenhado como um sujeito de talentos excepcionais ou estrategista ardiloso. Ele fica apenas ali, absorvendo informações, ouvindo mais que falando, entendendo paulatinamente o funcionamento dos intestinos da Casa Branca, adiante ascendendo por conta desse conhecimento adquirido. O realizador utiliza um narrador misterioso que menciona de soslaio o "parentesco" distante com o Cheney. Ele trata de tornar algumas conjunturas mais palatáveis, encaixando peças a fim de facilitar a compreensão geral, mas não exerce uma influência banal. Aliás, no plano simbólico, é um representante do povo, aparecendo ora como operário, ora no front.
Esse condutor, vivido por Jesse Plemons, ganha representatividade ainda maior quando, próximo ao encerramento, é revelada a tal ligação insólita com Dick Cheney. O elo se assoma a outros componentes para expor a subserviência do povo ignorante diante dos governantes eleitos com discursos nebulosos e totalmente manipuladores. O roteiro escrito por Adam McKay é um emaranhado muito bem articulado de informações, formulações de teses e interpretações certamente condicionadas por um viés ideológico. Sacadas como o falso encerramento precoce – caso um caminho fosse tomado em detrimento do outro – e as quebras pontuais na diegese, com espaço a solilóquios shakespearianos e uma brincadeira mordaz com a eficácia de Cheney para convencer interlocutores de praticamente qualquer coisa, temperam o discurso do filme com um atrevimento que o oxigena, pois reforça a sua inclinação pela insurgência. Na metade final, quando vemos o protagonista transformando uma posição quase decorativa num dos cargos de maior influência da administração norte-americana, há um enfileiramento cirúrgico de constatações de procedimentos nefastos atrelados ao poder.
Vice mostra George W. Bush (Sam Rockwell) não como alguém enganado pela perspicácia/experiência do imediato, mas na posição de mandatário que, ciente de sua falta de capacidade e um tanto de saco cheio das questões “chatas” inerentes ao cargo ocupado, delega decisões vitais, o que não diminui sua responsabilidade. Outro trunfo curioso do roteiro é manter visível uma nesga de dignidade de Cheney, a que diz respeito à sua irredutibilidade quanto a não atacar o casamento homossexual publicamente, uma vez que sua caçula é gay. Todavia, reafirmando a visão amarga que perpassa o longa integralmente, McKay espera o momento ideal para relativizar duramente esse posicionamento pretensamente nobre, constatando que a laia à qual o vice-presidente pertence é capaz de abominações para garantir a permanência do poder em família. Fazendo um retrato pormenorizado, que beira ocasional e intencionalmente o documental, da farsa que sustentou a chamada Guerra ao Terror, o cineasta lança mão de fotografias e imagens verídicas para adensar a comunicação com a realidade. De bônus, a ótima cena pós-créditos, que fecha com chave de ouro este petardo.
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