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Sinopse

Empregado num grande salão de beleza, Victor decide montar o próprio negócio com o amigo Ben. No entanto, quando o sócio morre e o deixa com todas as dívidas, Victor precisa recorrer à Célia, sua antiga colega, para ajudá-lo com o projeto.

Crítica

Victor (Arthur Dupont) é jovem, trabalhador e antenado – e, portanto, não quer passar o resto dos seus dias fazendo a mesma coisa. Tanto é que se aliou a um colega, Ben (Adrien Jolivet, de O Fio de Ariane, 2014) para darem um passo seguinte e, juntos, abrirem um negócio próprio. Está tudo alinhado, já escolheram o lugar, o ramo de atividades, os papeis foram preenchidos e o contador está com as licenças em dia. Mas o inesperado não pede desculpas, e nas vésperas de iniciarem os trabalhos, Ben sofre um acidente de trânsito e morre. Victor está mais uma vez sozinho, sem trabalho e com um monte de dívidas assumidas. O que fazer? Seguir em frente, e agora com um novo sócio – ou uma nova sócia – parece ser a única solução. E assim tem início Victor e Célia, comédia dramática francesa que, apesar do olhar carinhoso que dedica aos seus personagens, ganha mais pontos pela discussão que promove em tempos como os de hoje, quando o empreendedorismo está cada vez mais comprometido por uma série de restrições e burocracias, e menos pelo romance desajeitado que insiste em emular.

Se o comentário social dita o rumo dos acontecimentos no filme de Pierre Jolivet (Amigo é Pra Essas Coisas, 2005) – aliás, essa é uma característica recorrente na cinematografia do cineasta – a impressão é que tal debate acaba amortizado por uma série de tentativas nem sempre bem-sucedidas em investir no lado romântico que une os protagonistas. Victor e Célia foram namorados há cerca de uma década, e é nela que ele pensa quando se vê sem saída, como a solução tirada do fundo da cartola. Afinal, se conheceram no início da profissão, e seguem atuando na mesma área até hoje, com experiências – e perspectivas – bastante similares. Quando vai atrás dela, é menos na proposta de agora que a garota pensa, e mais nos traumas do passado – na separação turbulenta, e no que significaria voltar ao convívio ao lado dele, ainda mais em uma relação profissional. Talvez coubesse uma melhor definição do papel de cada um dentro dessa nova realidade, mas o diretor insiste justamente no sentido contrário.

Célia, interpretada por Alice Belaïdi (Um Pequeno Trabalho, 2016), é uma personagem pintada com maiores cuidados. Uma questão curiosa, que certamente passaria desapercebida ao olhar estrangeiro, é sua ascendência: ela não apenas chega a afirmar com todas as letras que é árabe, como a avó, que está sob seus cuidados, também sonha em voltar para sua terra de origem. Esse elemento acentua a questão financeira envolvida: a jovem prometeu juntar dinheiro para que a senhora pudesse fazer a tão desejava viagem. E se assumiu esse compromisso, como ousaria mudar o plano para investir na proposta do antigo amigo? Ainda que seja um dilema pertinente, assim como quase todo o resto dos dramas ressaltados pela trama – e há vários, desde refugiados da Venezuela até investidores em start ups – ele serve apenas como meio para um fim. Ou seja, se manifesta, provoca uma rápida reflexão, mas nunca encontra espaço para ser desenvolvido à contento, pois não é o objetivo, e sim somente um suporte para a relação que está sendo retomada.

Outro ponto interessante é a profissão de ambos: são cabeleireiros, e o que desejam é abrir um salão de beleza. Ao mesmo tempo em que soa positivo desenharem um homem heterossexual tão comprometido com uma atividade como essa – geralmente, o clichê determinaria que homossexuais seriam mais aptos a este perfil – por outro lado há a presença de um gerente de banco, apontado como um homem gay, com quem estão negociando um empréstimo para a efetivação do negócio. Com o objetivo de conquistá-lo – não amorosamente, mas que se torne partidário dos interesses da dupla e a ajuda seja concedida – o mesmo personagem (Victor, no caso) decide fingir que tem a mesma orientação sexual dele, partindo para o emprego dos mesmos estereótipos que tão bem haviam sido evitados lá na identificação de sua personalidade. Acerta-se de um lado, mas escorrega-se do outro.

Por fim, com tanto a ser discutido – e nem há tempo para um maior debate a respeito da ‘uberização’ de certos empregos, ou do caráter vilanesco através do qual os patrões são vistos, todos abusadores, insensíveis e exploradores – Victor e Célia tem muito em mãos. Porém, no meio dessas possibilidades, decide optar pela mais simples, e será na insistência em uma aproximação forçada entre os dois protagonistas – tanto de forma romântica, como também sexual – que o filme deixará passar a oportunidade de se mostrar além do óbvio e entregar não mais do que o já imaginado pelo cartaz, que exibe os dois personagens sorridentes e envolvidos. Será essa acomodação que terminará por enterrar as aspirações mais elevadas que o projeto poderia apresentar, contentando-se com o corriqueiro e esperado. Ou seja, com a mediocridade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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