Crítica
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Sinopse
Jeanne volta para casa após completar os estudos e passa a ajudar os pais nas tarefas do campo. Certo dia, o visconde Julien de Lamare aparece nas redondezas e logo conquista o coração da jovem, que, encantada, com ele se casa e vai morar. Conforme o tempo avança, Julien se mostra infiel, avarento e ausente, o que vai minando a alegria de viver da esposa.
Crítica
Após completar seus estudos, Jeanne (Judith Chemla) volta à casa dos pais abastados, passando a ajuda-los nas tarefas diárias, especialmente no cultivo da horta. Filha de barões, ela precisa atender a uma série de expectativas, especialmente pelo fato de ser mulher, o que em pleno século XVIII significava, muitas vezes, obediência cega e subserviência à estrutura patriarcal. A Vida de Uma Mulher possui linguagem rigorosa, uma maneira bem peculiar de abordar a trajetória de sofrimentos da protagonista, observada com melancolia pela câmera quase sempre colada nas expressões. Aliás, no filme de Stéphane Brizé o formato da imagem não é quadrado gratuitamente, opondo-se à predominância cinematográfica do aspecto retangular. A austeridade é um dos signos centrais deste longa-metragem. Para imergirmos adequadamente na sucessão de derrotas impostas a Jeanne, é essencial abraçar essa rigidez. A compressão dos personagens num espaço de registro estreito causa flagrante desconforto.
Outro traço da composição que enriquece sobremaneira A Vida de Uma Mulher é a estrutura do roteiro, predominantemente elíptica, repleta de saltos temporais habilmente amarrados. A realizadora não se detém em processos intermediários, lançando luz, sobretudo, nos eventos capitais para entendermos essa construção empenhada em ressaltar a opressão sentida pela protagonista, sintoma de algo socialmente aceito na época referida. Isso não significa que o filme se furte de apresentar instantes aparentemente banais, mas imprescindíveis para denotar a organicidade vista na tela. O semblante de Anne é carregado pela obrigatoriedade recorrente da resignação. Desrespeitada em sua casa pelo marido adúltero, é instada imediatamente a perdoar. Ao descobrir a reincidência da pulada de cerca do cônjuge, ela é praticamente chantageada pelo padre, cuja hipocrisia lança em seus ombros outro peso significante, o de ser a portadora de notícias nefastas, com o pretexto de velar pela verdade.
Em meio ao transcorrer fluido do tempo, evidenciado nas pequenas transformações físicas, no crescimento das crianças e no envelhecimento dos adultos, Jeanne passa de jovem integralmente fragilizada em virtude da sordidez alheia, por comportamentos publicamente aceitos, a despeito de sua perversidade, a sinônimo de resistência. Os anos lhe pesam nos ombros, assim como as dívidas alheias, inclusive as do filho. A agudeza do olhar de Stéphane Brizé se reflete no acúmulo dos problemas de Jeanne, na ausência de respaldo, especialmente após a morte dos pais, no delineamento dos absurdos que acometem essa mulher resiliente, que oferece a vida em sacrifício para sobreviver ao entorno. A Vida de Uma Mulher necessita realmente da adesão plena do espectador, sem a qual dificilmente reverbera. Todavia, uma vez embrenhados nessa proposição narrativa que funde simbolicamente forma e conteúdo, a recompensa é um drama denso e bastante relevante, com tintas gradativas de tragédia.
Opor constantemente os privilégios masculinos e os obstáculos femininos, fazendo de Jeanne um ícone da repressão à liberdade das mulheres, é um dos estratagemas bem-sucedidos de Stéphane Brizé para permitir a seu filme partir da instância pessoal ao âmbito geral. Em A Vida de Uma Mulher testemunhamos a protagonista tendo de penhorar a própria honra pelo bem da família, se indispondo consigo mesma em prol da coletividade – algo que os homens dificilmente fazem ao longo da trama –, aguentando, não sem efeitos colaterais, o achatamento de seus desejos. Longe de configurar mero exercício de estilo, os procedimentos cinematográficos utilizados, as interpretações, o texto e o fluxo das imagens, atributos, então, sobressalentes neste drama, potencializam a melancolia e a desilusão, então encarregadas de deflagrar, ainda, a decadência da nobreza, a fragilidade dos títulos diante das mudanças que deveriam suplantar o arcaísmo, a vida em castas e a submissão da mulher.
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