Crítica

Trabalho referencial na carreira de James Dean, Vidas Amargas é também o filme que, muito provavelmente, tenha lhe representado o maior desafio enquanto intérprete. Este não só foi seu primeiro filme como protagonista – um dos três únicos, aliás, em que atuou com maior destaque no elenco – como lhe valeu a fama de rebelde que o acompanhou por toda a eternidade (até os dias de hoje, para sermos sinceros). Tem-se aqui a possibilidade de vê-lo exatamente do modo como nos acostumamos a identificá-lo no imaginário popular, talvez de forma ainda mais intensa e complexa do que aquela verificada em Juventude Transviada (1955), outro dos seus raros clássicos. Mas o filme dirigido com mão segura por Elia Kazan a partir de um livro referencial de John Steinbeck não só é um marco na filmografia do seu protagonista, mas também nas de todos os seus envolvidos, fazendo desta uma obra que simplesmente não pode ser esquecida.

Após conseguir suas primeiras aparições em programas de televisão e ter estreado no cinema em uma participação não-creditada no drama de guerra Baionetas Caladas (1951), de Samuel Fuller, James Dean amargou os quatro próximos anos em projetos de pouco impacto – até coadjuvante de Jerry Lewis ele foi, na comédia O Marujo foi na Onda (1952)! Só conseguiu chamar atenção, de fato, ao fazer um teste para o personagem Cal, o filho rejeitado de Vidas Amargas. Escolhido pelo próprio autor – Steinbeck, ao vê-lo caracterizado, teria afirmado estar diante da mais perfeita personificação de sua criação – e aprovado com entusiasmo por Kazan, Dean compôs um tipo tão perturbado e intenso quanto, acredita-se, ele próprio era na sua vida pessoal, ressonando com ainda mais força diante o público e a crítica. Como resultado, teve aqui sua primeira indicação tanto ao Oscar quanto ao Bafta – ambas, infelizmente, póstumas.

Concorrendo pelo mesmo personagem estava um dos seus melhores amigos, Paul Newman. Os dois disputaram outros projetos naquela época, como os filmes Marcado pela Sarjeta (1956) e Um de Nós Morrerá (1958), e é curioso perceber que em todas essas ocasiões Dean é que se saía melhor, invariavelmente conquistando a oportunidade oferecida. Porém, sua inesperada morte em um acidente automobilístico em 1955, aos 24 anos, o impediu de assumir muitos dos compromissos pré-estabelecidos, abrindo novas chances para seus colegas – como o próprio Newman, que não só estrelou estes dois últimos filmes como teve neles seus primeiros sucessos. É impossível não se perguntar como teria sido o futuro dele e de outros jovens astros contemporâneos caso esse fatídico acidente não tivesse ocorrido e James Dean tivesse seguido vivo, conquistando, de fato, todo o sucesso e estrelato que lhe parecia prometido naquele pouco tempo que brilhou mais do que ninguém no firmamento hollywoodiano.

Premiado como Melhor Filme de Drama no Globo de Ouro e dono de quatro indicações ao Oscar – conquistou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante, para Jo Van Fleet – Vidas Amargas é uma releitura contemporânea da conhecida parábola de Caim e Abel, os filhos de Adão e Eva, o primeiro de todos os casais. Cal (Dean) e Aron (Richard Davalos) são herdeiros de Adam Trask (Raymond Massey), homem rígido e conservador (os nomes são alusões evidentes ao episódio bíblico). Enquanto o primeiro lhe é uma constante dor de cabeça por seu comportamento errático e fonte de diversos conflitos familiares, o segundo é o rapaz perfeito, que segue os passos paternos e só oferece motivos de orgulho. Mas há um forte segredo na história dessa família que atormenta Cal de modo irreversível, e ao contrário do pai e do irmão, que preferem fingir que o passado não aconteceu, ele irá se debater até encontrar uma explicação que o satisfaça: onde está a mãe e, ainda mais importante, por que ela os abandonou?

A chegada de uma forasteira na cidade, personagem que acompanhamos logo nos primeiros minutos do filme, já adianta muito do drama que irá se repetir durante um desenrolar muito bem amarrado e baseado em cenas de grande impacto. Os significados psicológicos das relações estabelecidas entre cada um destes elementos – há ainda a namorada do irmão, indecisa sobre seus sentimentos a respeito dos dois irmãos – e o surgimento de uma guerra iminente no país são terreno propício para emoções à flor da pele e reações extremas, bastante apropriadas para atores entregues e sem ressalvas – bem como parecia ser o caso de James Dean. O jovem ator tem aqui a melhor das suas passagens pela tela, revelando um talento único que, infelizmente, não pode ser desenvolvido à contento. Elia Kazan, no entanto, teve um olho clínico capaz de identificar antes da maioria esse potencial, e cria aqui o cenário perfeito não só para o desabrochar de um astro, mas também para a construção de uma narrativa envolvente, forte e absolutamente perfeita.

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