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8 votos 7.6

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Sinopse

Um banqueiro milionário ganha de seu irmão um divertimento incomum. Ao completar 48 anos, ele se vê envolvido numa dinâmica organizada pela empresa Serviços de Recreação do Consumidor, em que parece correr sério risco.

Crítica

A trilha sonora de Vidas em Jogo, conduzida por Howard Shore – que mais tarde viria a se glorificar com os inesquecíveis temas compostos para a trilogia O Senhor do Anéis – é imemorável, insípida e insistentemente presente. Também é, justamente por esses motivos, um dos elementos mais importantes para o funcionamento deste longa-metragem. Seus acordes discretos permeiam toda a jornada de Nicholas Van Orton (Michael Douglas), comentando com gravidade, mas nunca com urgência, um thriller que normalmente pediria por isso. Enervando assim ainda mais o espectador que entende a situação do protagonista, e por tabela, concedendo uma atmosfera sombria, mas controlada, àquele contexto, destacando pelo contraste o desespero do homem.

Receita: pegue um personagem central pragmático. Adicione-o em uma trama que exija seu raciocínio lógico. Misture bem com uma direção firme e preocupada apenas em contar a história que quer – fazendo isso o mais eficientemente possível. Embrulhe tudo muito bem com montagens inteligentes, trilhas instigantes e uma fotografia sempre bela e inventiva. Pronto, você tem um filme de David Fincher. Um diretor que, apesar de possuir uma identidade visual característica, jamais se permite sobrevaler aos seus roteiros e personagens.

Lançado entre dois grandes sucessos comandados pelo cineasta – Se7en (1995) e Clube da Luta (1999) – Vidas em Jogo não raramente passa despercebido em alguma revisão de sua carreira. Sim, trata-se de um filme “menor”, e comparado a seus outros projetos é estruturalmente menos complexo e denso, também se passando em um espaço de tempo bem mais reduzido, tal como o seria também O Quarto do Pânico (2002). Além disso, estes dois títulos dividem outra semelhança: ambos trazem protagonistas divorciados angustiantemente presos em armadilhas – físicas ou situacionais.

Em Vidas em Jogo, após uma abertura que simula uma filmagem caseira antiga em Super 8 ou 16mm, apresentando o jovem Nicholas Van Orton e seu pai (distante e quase indiferente), através de uma elipse de tempo somos levados a conhecer a versão adulta de rosto enrugado e expressão fria daquele garoto sorridente. Agora um empresário que assumiu os negócios da família com punho de ferro, altamente controlador e recluso – algo que o magnífico design de produção ressalta ao conceber os amplos e vazios espaços de sua mansão – Nicholas está completando 48 anos, que é a mesma idade que seu pai tinha quando cometeu suicídio. Recebe, então, como presente de seu irmão, Conrad (Sean Penn), uma inscrição em algo que ele chama “um jogo”. Gerenciado por uma empresa chamada CRS, o tal jogo implica em Nicholas passar antes por diversos testes psicológicos e físicos, sem que jamais fique sabendo como funciona ou qual o seu objetivo.

É quando a vida do milionário começa a entrar em pane. Alguém está armando para cima dele, controlando pequenos aspectos de sua vida, sacaneando-o. A princípio, soa até divertido, e ele mesmo não se poupa de um quase sorriso de compreensão ao perceber quando uma inconveniência ou estranheza são frutos das artimanhas do jogo. Porém, logo as intervenções começam a assumir maior gravidade; uma invasão domiciliar com acréscimo de vandalismo, um carro cujo pneu fura e o obriga a fazer uma viagem de táxi potencialmente letal, incriminações, perseguição e enfim, extorsão.

Nicholas vê seu mundo polido e organizado transfigurar-se em um pesadelo, e o filme assume sem problema algum essa identidade fantasiosa de horror. Não por acaso, Fincher prefere quase sempre ambientar seu longa-metragem à noite, focando a luz somente onde os personagens tem de ir, deixando a escuridão ou os espaços vazios engolirem o resto dos cenários. Uma noção que também é ajudada pela trilha de tons oníricos citada antes, que em certo momento chega a incluir alguns acordes suaves de Happy Bithday to You, durante um momento reflexivo do protagonista. A paranóia do milionário também é reforçada quando, em certo momento, o diretor enfoca um ataque de fúria seu à distância, não como um plano subjetivo do olhar de algum outro personagem, mas como se a câmera – e consequentemente o espectador – fosse um dos espiões a observá-lo.

Michael Douglas, claro, se mostra a escolha perfeita para viver Nicholas; distante do canalha que o consagrou com um Oscar de Melhor Ator por Wall Street: Poder e Cobiça (1987), primeiramente apresenta o empresário como uma figura impenetrável e dura, mas se mostra igualmente capaz de desvendar os momentos humanos e pessoais de Van Orton. É o desconforto corporal em contraste com a segurança de sua voz ao atender um telefonema de sua ex-mulher, ainda que denuncie uma ansiedade insuspeita por receber essa ligação ao silenciar prontamente a televisão quando toca o telefone, como se estivesse ali esperando apenas por aquilo. É sua impaciência quando começa a perceber a escala da falta de controle em sua vida. Também é a humildade e, finalmente, a gentileza com que pede uma carona. O ator é, sem dúvidas, a âncora que o filme lança na realidade para manter a verossimilhança de sua trama. Pois quando alguém na plateia começa a se perguntar se seria humanamente possível arquitetar todas aquelas situações, a tensão hitchcockiana de Fincher o suga para torcer por aquele homem tão crível.

E quando esse alguém pensar que Vidas em Jogo já revelou todas as suas cartas, há ainda mais uns dois desdobramentos para acontecer, que prolongam a expectativa pelo maior tempo possível. Tudo, claro, muito implausível e altamente questionável dentro de um longa-metragem que se preocupa tanto em manter seus pés no chão. Mas que consegue a proeza de fazer esquecer essas tecnicalidades para mergulhar em um intricado suspense, que, afinal, é o gênero que representa o “lar, doce lar” deste cineasta que nunca se mostra menos do que eficiente.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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