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Sinopse

Ulisses é um arquiteto bem-sucedido que seguiu os passos da mãe. Num dia, ele acorda com uma profunda crise vocacional e decide procurar uma coaching. A profissional o engana, mas a administração de um chá misterioso desperta em Ulisses poderes de vidência vocacional.

Crítica

Nos últimos anos, o cinema brasileiro que ambiciona atingir grandes públicos parece interessado por personagens de classe média/média alta. Com bem-vindas exceções, nossos filmes que reivindicam ser populares têm sido mais sobre as fatias sociais poucos preocupadas com problemas financeiros, o que pode ser encarado como tendência. Em Vidente por Acidente o protagonista é Ulisses (Otaviano Costa), arquiteto que trabalha no escritório da mãe. Bem de vida, sem obstáculos econômicos pela frente, ele está vivendo uma crise de vocação: será que realmente deseja trabalhar com aquilo pelo resto da vida ou apenas fez o mais simples e seguiu a profissão materna? Depois do encontro dele com Deus (Serjão Loroza) em sonho, a angústia cresce até a busca de ajuda com a coaching interpretada por Katiuscia Canoro – que não consegue esconder o jeitão de trambiqueira. Mas, Ulisses está tão desesperado para encontrar um novo sentido para a sua existência que nem percebe a proximidade do golpe. Fato é que, ao acordar “depenado” pela larápia, descobre que ganhou o poder de encontrar a verdadeira vocação das pessoas simplesmente ao encostar nelas. Está montado o palco para uma história esquemática cujo clímax obviamente será a boa e velha lição de moral aprendida depois de muita confusão, situações pouco engraçadas e ações que se sucedem sem deixar muitos rastros.

O diretor Rodrigo Van Der Put não elabora bem a crise de Ulisses, deixando o personagem a mercê de interpretações que podem bloquear o interesse do espectador. Ele está mergulhado num conflito existencial ou é apenas um filhinho-de-mamãe mimado que pode se dar ao luxo de mudar drasticamente de carreira como quem troca de peça de roupa? Esse espaço para julgar Ulisses é conferido pela direção e pelo roteiro, justamente porque a paralisação do personagem inaugura o filme e ao longo dele não é trabalhada como chamado à mudança do qual não o sujeito pode escapar. Todo ecossistema de Ulisses existe para ele aprender que às vezes as respostas estão diante dos nossos olhos e a gente não vê – máxima repetida em vários momentos da trama, como se não estivesse subentendida. Então, pouco importa a resistência da esposa (vivida por Evelyn Castro) que repentinamente precisa se acostumar à casa cheia de pessoas ansiosas para descobrir as suas missões. Também é desimportante toda a tensão com a filha (interpretada por Jamilly Mariano) que anunciou o desejo de seguir os passos da família na arquitetura, mas passa a ser incentivada (quase obrigada) pelo pai a almejar uma carreira artística. Assim, o filme é uma previsível jornada pessoal em que um homem vai criando e consertando problemas, envolvendo pessoas queridas em seu projeto pessoal, até se endireitar.

Ao contrário do que muitos pensam, não apenas de personagens bons, corretos e exemplares vive o cinema. Ainda bem. Não é preciso estar diante de sujeitos ilibados para se interessar por seus problemas ou mesmo por suas caminhadas rumo a alguma coisa. Então, o fato de Ulisses ficar tão vulnerável ao nosso julgamento como sujeito abastado brincando de encontrar seu rumo vem do modo como Rodrigo Van Der Put e Otaviano Costa o compõe conjuntamente. Como dito antes, o diretor permite que o personagem enfrente apenas contratempos banais, em poucos instantes sendo lembrado de sua posição em relação até mesmo aos seus clientes – não à toa, somente Deus diz a ele que difícil é “pegar um trem lotado diariamente para trabalhar no Rio de Janeiro”. E Otaviano confere um tom quase infantil ao personagem, o que acentua a possibilidade de interpretar Ulisses como um daqueles herdeiros que cresceram sem conexão com a realidade e acham normal todos aceitarem os seus projetos pessoais sem questionar. Essa superficialidade que vulnerabiliza Ulisses está no pouco desenvolvimento das dúvidas, da tensão familiar, na observação rasa do jornalismo como propagador sensacionalista de notícias falsas (isso até o jornalista aprender lições e assimilar, como epifania, a sua verdadeira função nesse mundo maluco). As escolhas e atitudes ganham pouca durabilidade e significam ainda menos.

Vidente por Acidente ainda defende, num momento específico, que os fins justificam os meios. Num instante de bloqueio de vidência, Ulisses é claramente ajudado em rede nacional por uma informação privilegiada de bastidor. Devidamente flagrada pelo jornalista que o está perseguindo, essa situação é postada na internet e depois desmentida sem consequências por Ulisses. O protagonista cria uma mentira (apagar o cartaz digitalmente) para anular a verdade (recebeu a dica do assistente de palco) que compromete outra verdade (o fato de ser vidente). Pelo andar da carruagem, não é difícil prever como será o encerramento disso tudo: com personagens aprendendo as suas lições, poderes sendo subtraídos depois de terem cumprido sua missão e tudo culminando numa festividade que reúne parte do elenco. No entanto, o grande problema dessa produção nem é a previsibilidade, mas o modo esquemático e sem senso de consequências com a qual é desenhada a trajetória de redenção de um personagem que, como vemos no encerramento, realmente estava apenas precisando “mudar” para que as coisas permanecessem do mesmo jeito. A nova empreitada de Rodrigo Van Der Put, diretor que se destacou comandando esquetes do grupo Porta dos Fundos, traz diversas aparições meteóricas de integrantes do humorístico, e tem a participação especial de Xuxa Meneghel.  Com poucos momentos inspirados, o filme pode ser definido como dramédia pequeno-burguesa sem graça.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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