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Crítica


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Sinopse

Dois casais num retiro paradisíaco começam a suspeitar que o proprietário da casa por eles alugada pode estar espionando. O que seria uma viagem para espairecer, se torna um pesadelo crescente de revelações e agressividade.

Crítica

É curioso que o ideal de perfeição constitua o ponto de partida perfeito para o cinema de gênero. O terror adora destruir famílias unidas, casais amorosos e vidas estáveis, como nos lembrasse que qualquer forma de felicidade pode ruir de uma hora para a outra. Neste caso, o cinema funciona como uma ferramenta de terrorismo, no sentido estrito do termo: somos constantemente lembrados do perigo de morrer, por mais sólidas que pareçam as nossas garantias de saúde e segurança. Esta também é a premissa de Vigiados (2020): dois casais felizes, formados por pessoas belas e bem-sucedidas, alugam uma caríssima cara de veraneio à beira-mar. Eles pretendem passar o fim de semana bebendo, dançando, fazendo sexo. No entanto, desde o início, as imagens prometem que os planos darão errado. A trilha sonora, ainda que discretamente, sugere algum elemento perturbador. O homem responsável pelo aluguel (Toby Huss) possui um comportamento instável, além de manifestar a islamofobia em relação a Mina (Sheila Vand). Os hóspedes levam o cachorro, mesmo sabendo ser proibido. Avisa-se que Josh (Jeremy Allen White) possui um passado violento. O filme planta indícios, aqui e ali, de que as coisas vão dar errado. Resta aguardar a explosão prometida.

O ponto de partida constitui um dos motores mais clássicos do terror: o grupo de jovens presos em uma casa isolada na natureza, sendo atacado por alguma força externa (natural ou sobrenatural). Mesmo assim, no terço inicial, o diretor Dave Franco confere certa elegância ao projeto. A fotografia traz cores “queimadas”, a casa é filmada pela janela cuidadosa em scope, enquanto se valorizam os silêncios e desconfortos, fundamentais para desenvolver a tensão. A construção dos personagens é simples, porém sem focar em traumas pessoais ou outros psicologismos fáceis, preferindo o tom despojado dos corpos e das falas. Sheila Vand, atriz de olhos marcantes muito bem explorados em Garota Sombria Caminha Pela Noite (2014), possui um traquejo excepcional para diálogos, enquanto Dan Stevens, capaz de fazer caras e bocas quando necessário, atenua os gestos na composição do sujeito comum. O gênero costuma estar associado ao fetiche da sexualidade, mostrando belos corpos de mulheres e homens na promessa de sexo escondido pelos cantos da casa. No entanto, Franco opta por uma reunião melancólica entre os quatro, que estão cansados, um pouco entediados. Não há qualquer forma de erotização dos corpos, nem um apelo ao voyeurismo do público. Para um filme em que o mecanismo da vigilância se torna fundamental, a decisão de reservar a perversão aos vilões, sem oferecê-la ao espectador, constitui uma precaução notável.

No entanto, o filme perde seus rumos por completo a cada nova cena. Primeiro, os diálogos começam a reforçar um perigo óbvio por si próprio. “Você salvou a minha vida!”, afirma Michelle (Alison Brie) a respeito de uma pequena ajuda do namorado. “Aproveitem a última noite de vocês”, dispara o proprietário, em óbvio alerta de duplo sentido. Segundo, a questão da vigilância jamais é explorada pelo roteiro: apesar de descobrirem indícios que estão sendo observados, o dispositivo não repercute na trama. Haveria mil maneiras de espiar o espião, de driblar a vigilância, de produzir imagens falsas, de atrair o voyeur à toca para ser atacado, e assim por diante. Em tempos de telefones celulares onipresentes e de uma realidade mediadas por imagens, o princípio da filmagem escondida poderia provocar o pânico de fácil identificação para o espectador contemporâneo. Ora, Franco e o diretor de fotografia Christian Sprenger jamais exploram o potencial estético da vigilância. Não há a sensação constante de que os personagens estão sendo observados por um terceiro, algo que poderia ser facilmente estimulado através de imagens distantes, captações em lentes teleobjetivas, construções improváveis do enquadramento, gravações de câmeras de vigilância etc. A temática de espiar e ser espiado teria forte potencial, sobretudo diante de um irmão mais expansivo (Stevens) e outro tentando se esconder (White), uma mulher vítima de preconceitos (Vand) e outra que busca a todo custo manter a moral e os bons costumes (Brie). No entanto, nada disso é utilizado pela trama.

Pelo contrário, o roteiro possui a má ideia de trazer diversos elementos externos para fazer a trama avançar. Entram em cena uma série de conveniências narrativas: a traição improvável, a banheira quebrada, fuligens caindo do teto. Um homem adentra a casa isolada e perfeitamente silenciosa (os amigos sequer colocam música para tocar) sem ser percebido. A descoberta de estarem sendo observados à distância parece esquecida na cena seguinte. Vigiados começa a empilhar absurdo atrás de absurdo, o que talvez se justificasse dentro do terror-espetáculo típico dos filmes B, repletos de sangue e confrontos mortais. Ora, o projeto sustenta um caminhar lento, mesmo monótono, face a um perigo tão evidente. Talvez este constitua o medo pós-moderno da juventude blasé: ter suas imagens íntimas vazadas ao invés de morrer – até porque os corpos perecem, mas as gravações restam para a posteridade. Embora evite os lugares-comuns no início, o cineasta abraça progressivamente os elementos mais gastos de tensão: jovens correndo pela floresta, gelo seco em excesso nas gravações noturnas, além de casais que, diante de um ataque iminente, decidem se separar, apenas para serem mais facilmente atacados pelo vilão. As motivações são fracas demais, tanto para os protagonistas, quanto para o adversário central.

Com este projeto, busca-se criar um novo slasher, gênero em que o assassino se torna mais importante do que suas vítimas. Seguindo os moldes clássicos, Franco escolhe uma nova máscara ao vilão, um novo instrumento de ataque (o martelo, na tradição de armas brancas ao invés de revólveres), e oferece seus personagens ao abate. Infelizmente, as mortes não são mostradas, apensa sugeridas. Elas poderiam acentuar o pavor caso houvesse sugestões (pelo som, pelo roteiro) da perversidade dessas ações. No entanto, o diretor apenas oculta os ataques sem motivos reais para tal. O espectador se encontra diante de um terror linear e previsível, que sequer garante as recompensas psicológicas típicas desta linguagem: o medo, a paranoia, o susto. Sabemos desde o início que serão vigiados e atacados, e de fato o são. Não há qualquer forma de vida externa (familiares, vizinhos, colegas de trabalho) para trazer algum risco aos planos do assassino. Abre-se um caminho tão fácil ao psicopata que ele sequer precisa se esforçar para atingir os objetivos, e o espectador tampouco teme por vítimas tão frágeis. Faltaria aprofundar métodos e ambições, incluir riscos inesperados, pistas falsas, embates fortes. Entretanto, o filme se desenvolve de forma fria, apática. Confunde-se a elegância da forma com a estética da indiferença.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
3
Francisco Carbone
7
MÉDIA
5

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