A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell
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Rupert Sanders
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Ghost in the Shell
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2017
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EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Major é uma agente especial ciborgue que lidera a Seção Nove, dedicada a deter os mais perigosos criminosos e extremistas. Seu novo objetivo é deter um inimigo cujo único objetivo é destruir os avanços da HankaRobotic na tecnologia cibernética.
Crítica
O movimento feminista existe há séculos, mas quem olhar de modo desatento ao que se tem feito recentemente em Hollywood pode ficar com a impressão de que esta é uma tendência descoberta há pouco. Principalmente no que se refere ao cinema de ação voltado às grandes bilheterias. E que não se deixem enganar os mais ingênuos que os grandes estúdios estão assim demonstrando uma preocupação pela luta a favor da igualdade de gêneros – se assim tem sido nos últimos tempos, é porque filmes como Star Wars: O Despertar da Força (2015) e Mad Max: Estrada da Fúria (2015), entre outros, se revelaram inesperados sucessos de público e de crítica. Então, se a nova fórmula tem dado resultado, por que não seguir investindo nela? Pois é dessa forma de pensar que chega até nós um produto como A Vigilante do Amanhã, versão do anime Ghost in the Shell (1995) – batizado no Brasil como O Fantasma do Futuro – que até presta suas homenagens à sua versão original, mas não consegue evitar de deixar evidente o óbvio aspecto mercadológico que a tornou possível.
Praticamente ignorando o argumento da animação – “densa e reflexiva demais para os dias de hoje”, segundo o diretor Rupert Sanders – o novo A Vigilante do Amanhã aproveita algumas das cenas mais icônicas do longa anterior, além de seus personagens, para reinseri-las em um novo contexto, mais ‘palatável’, digamos. A protagonista segue sendo Major, papel que cai como uma luva para Scarlett Johansson. A androide cujo único resquício de humanidade que possui é seu cérebro, sofre de um mal similar, porém inverso, ao que abatia Rick Deckard trinta e cinco anos atrás. Pois se o personagem vivido por Harrison Ford em Blade Runner: O Caçador de Androides (1982) era um homem que se descobria robô, a protagonista aqui percorre o sentido oposto na sua trajetória de auto-aceitação, percebendo, aos poucos, sua própria humanidade. Seus questionamentos deixam de vasculhar a identidade do universo ou do que somos todos feitos para se focar na sua própria situação: quem ela é e de onde veio deixam de ser figuras de retórica para se encaixarem dentro de um arquétipo de investigação policial.
Major é uma figura muito mais interessante do que o enredo que a envolve. Ela quer saber do que foi feita, como foi construída e, acima de tudo, por quê existe? Mais do que uma mulher ou um produto, é uma máquina eficiente cuja missão é estar à disposição da companhia que a possui. Só que, a partir do momento em que começa a ter dúvidas e passa a vislumbrar possibilidades outras além daquelas ditadas por suas diretrizes, até sua funcionalidade passa a ser discutida. Sanders, neste que é seu primeiro filme após ter estreado com o dispensável Branca de Neve e o Caçador (2012), não está interessado em filosofia, no entanto. Ele quer ação, e imediata, sem perder tempo. É por isso que somos apresentados a imagens arrebatadoras e inserções digitais incríveis, porém nada surpreendentes. O pulo inacreditável do alto de um prédio, por exemplo, é exatamente igual ao cometido por Michael Fassbender no recente Assassin’s Creed (2017). Ainda assim, os efeitos visuais, que ficaram a cargo da empresa de Peter Jackson, a mesma responsável pelas trilogias O Senhor dos Anéis e O Hobbit, são de deixar qualquer um de queixo caído. Mas haverá algo além do espanto e deslumbramento inicial?
O esforço constante da produção para afirmar que, sim, vai-se além da forma, dotando-a de um conteúdo relevante, é notório. Desde a inclusão no elenco de nomes respeitados como os de Juliette Binoche (a doutora Ouelet, a ‘mãe’ virtual de Major) e Takeshi Kitano (que seria, portanto, o ‘pai’, seu superior sábio) até a concepção de um futuro calcado nas previsões mais arrojadas e pessimistas (volta-se aqui, portanto, ao já citado Blade Runner), está tudo, aparentemente, nos lugares certos. Por que, então, o resultado parece não dar liga? Talvez seja a questão de não se conseguir ir além do óbvio. Scarlett é ótima nesse tipo de personagem, mas quem já não sabe disso? E nem nos referimos à Viúva Negra do Universo Cinemático Marvel, pois como esquecê-la no sorumbático Sob a Pele (2013) ou no frenético Lucy (2014) – tem-se, enfim, uma trilogia informal na filmografia da atriz – filmes que dialogam abertamente com esse mais recente. Ela já fez isso antes. E fez bem. Só que ao invés de ir adiante no terreno já conhecido, contenta-se em percorrer os mesmos caminhos.
Mas Scarlett Johansson não é o maior problema de A Vigilante do Amanhã – talvez nem mesmo o seja. O entrave, aqui, está na falta de ousadia dos realizadores. O enredo básico, que fala de uma troca de identidade, passados roubados e conspiração industrial, revela-se insuficiente diante de tamanhas possibilidades apresentadas. Era melhor ter produzido algo genérico, sem o peso da identidade que Ghost in the Shell carrega consigo. Fãs do mangá ou mesmo curiosos ocasionais poderão ter reações diversas, da total repulsa à aprovação mais entusiasmada, e será difícil afirmar se um está mais certo – ou errado – do que o outro. Pois o que falta aqui é justamente personalidade, aquele diferencial capaz de assumir riscos e confrontar expectativas – exatamente o que O Fantasma do Futuro tão bem vez duas décadas atrás. Mudanças são boas e até mesmo necessárias quando se aposta na reinvenção. Mas elas não podem estar atreladas à um retrocesso narrativo ou a um comedimento na linguagem. Afinal, o espírito – ou o fantasma, a alma – estava lá como guia, bastava segui-lo – e não ignorá-lo, como parece ter sido o consenso desta vez perseguido.
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