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Crítica


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Sinopse

Brenner é uma militar do exército norte-americano que decide acampar com seu marido, Dillon, numa floresta do Alabama. No entanto, eles não imaginavam que poderiam encontrar um esconderijo criminoso durante o período.

Crítica

A vingança é um elemento constante no cinema. Mas, é recomendável ter cuidado, pois ela pode se tornar simplesmente uma justificativa para aceitarmos mortes brutais e talvez até para desejarmos avidamente os banhos de sangue. Quando Quentin Tarantino defende a violência como atributo cinematográfico excitante, ele está falando dentro de uma lógica representativa e não realista – haja visto o verniz irreal de seus filmes repletos de estilizações que deixam bem evidente em que perímetro simbólico essa selvageria se localiza. Se até mesmo esse tipo de abordagem incentiva a existência da violência? Isso é papo para outro momento. Fato é que Vingança Solitária poderia ser criticado por uma série de fragilidades conceituais e de execução. Motivos não faltam. No entanto, cabem ressalvas também ao seu discurso. Aí você, caro leitor, escolhe por qual dos ângulos o filme é pior: como desajeitada e genérica aventura repleta de personagens ocos/descartáveis ou como peça bagaceira de propaganda do treinamento militar norte americano. A protagonista do filme é Brenner (Ellen Hollman), ex-militar que resolve acampar com o marido policial, Dillon (Matt Passmore), numa região remota do Alabama, nos Estados Unidos. Desde o começo a personalidade durona da mulher é enfatizada, a julgar pela tranquilidade dela diante do assédio dos brutamontes que moram na cidade das proximidades.

O cenário é mais do que conhecido, pois bastante utilizado em outros filmes. Dois forasteiros encontram um universo tenebroso ao mergulhar nos abismos de uma localidade tacanha, regida pelo exercício da violência como meio de perpetuação de poder. Os algozes de Brenner e Dillon são os chamados hillbillys, termo que foi ganhando carga pejorativa com o passar do tempo ao designar pessoas de regiões rurais e/ou montanhosas dos Estados Unidos. Em busca de uma tradução mais direta para o português, poderíamos pensar na palavra “caipira”. No entanto, esses hillbillys são frequentemente entendidos como ignorantes avessos a tudo e a todos os que vêm de fora e, não raro, tendem a ser orientados por uma religiosidade que chega ao fanatismo quando embasa selvagerias. O cinema de horror utilizou muito esse estereótipo para mostrar mocinhos sendo torturados em meio a viagens perigosas pelas profundezas dos Estados Unidos menos palatável e turístico. Dito isso, Vingança Solitária apenas se apropria desses modelos, basicamente reproduzindo os seus passos básicos, mas sem adicionar qualquer tempero próprio nesse molho que acaba ficando com gosto rançoso de comida velha. Os inimigos são caipiras que dominam a cidade, chefiados pela matriarca mais que exagerada à frente de uma operação de venda de armas. Na verdade, nada disso importa a esse filme superficial e mal executado.

Cada cena de Violência Solitária é uma nova demonstração de incapacidade. A começar pela construção desse ambiente interiorano que não poderia ser mais desprovido de personalidade – é exatamente igual a vários que vimos antes em filmes melhores. Toda a operação chefiada pela Mama (Geraldine Singer) é uma soma mal elaborada de demonstrações de submissão à figura matriarcal e citações vagas de como aquilo tudo é feroz. Fica muito claro que toda essa lenga-lenga é para dar um mínimo suporte ao que verdadeiramente justifica o filme: mostrar a protagonista matando os homens que deram cabo do seu marido bonitão. O modelo narrativo é bem conhecido. Desde o começo se torna óbvio que Brenner precisará assassinar todos os asseclas até finalmente confrontar a verdadeira chefona, exatamente como em boa parte dos jogos de videogame. E assim acontece, com corpos brutalizados em prol de uma sensação de alívio da dor do luto – algo que vamos questionar mais adiante neste texto. Stephen Durham não sabe cozinhar a expectativa, fazendo desse trajeto o cumprimento acrítico de uma burocracia. Em certas cenas é gritante que as vítimas entram no quadro esperando ser alvejadas, o que enche o filme de artificialidade e o esvazia de intensidade. O elenco também não ajuda, mas como todos estão relativamente na mesma frequência, colocamos isso na conta da direção.

Ainda sobre os personagens, é difícil eleger qual é o mais inútil: o xerife que aparece somente para se tornar um peso à protagonista ou o sujeito estereotipadíssimo como alguém sensível em meio aos brutamontes, o que unicamente serve chá à tal da Mama? Chegando à questão do discurso, Violência Solitária tem uma protagonista mulher, uma vilã principal mulher e mulheres mantidas como escravas sexuais (pois é, ainda se descobre isso lá pela metade da trama). No entanto, a feminilidade pouco importa como um elemento narrativo. Não há ênfase na condição dessas personagens, na forma como elas se colocam diante dos homens ou tampouco algo que chegue próximo disso. O diretor Stephen Durham não é capaz, sequer, de sublinhar que essas personagens utilizam mecanismos comumente associados aos homens para sobressair nesse mundo brutal. Idelogicamente falando (sim, todos os filmes carregam ideologias) as atenções são voltadas para uma espécie de elogio não tão velado assim ao treinamento militar o que, por sua vez, sustenta a ideia subliminar da existência de pessoas que merecem morrer. Como o longa-metragem defende o derramamento de sangue para fazer justiça, o passado de Brenner no exército é vital para ela sobreviver. Em nenhum instante a protagonista vacila ao matar ou manifesta dúvidas morais. Ela é enxergada dentro desse contexto capenga como detentora da razão. Como não parece sentir remorso ou qualquer outra emoção humana, ela somente mata.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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