Sinopse
Marcelo assume constantemente outras identidades, passando-se por pessoas que não é. Ele aplica inúmeros golpes, sendo o mais conhecido deles o de sustentar publicamente que é o herdeiro de uma companhia aérea.
Crítica
Em VIPs, adaptação do livro Histórias Reais de um Mentiroso (Mariana Caltabiano, 2005), temos o exemplo perfeito de uma boa história que transformou-se em uma ficção competente. Afinal, uma adaptação é questão de talento. Ao contrário do que se pensa, depende muito pouco da fonte e muito da visão do realizador. Há, neste processo, quatro relações possíveis: uma obra ruim transforma-se em um filme ruim; uma obra ruim transforma-se em um filme bom; uma obra boa transforma-se em um filme ruim; uma obra boa transforma-se em um filme bom – em alguns casos, inclusive, o resultado pode suplantar a fonte, diferentemente do defendido pelo discurso comum, que sustenta a superioridade incontestável do original. Reconhecer o que é uma boa história é importante – certamente o passo inicial – mas reconhecer se esta boa história é uma história boa para o cinema é fundamental – e nem por isso mais fácil. Aos cineastas brasileiros não falta a primeira característica, dada a profusão de boas idéias a rondar às telas de cinema. A segunda, contudo, é bem mais rara.
Baseado na história real de Marcelo do Nascimento, o filme apresenta uma parte considerável da trajetória inusitada do protagonista, desde a relação delicada – quase iconólatra – que mantém com o pai, o envolvimento no tráfico de drogas e armas no Paraguai até o momento em que se faz passar por um dos filhos do dono de uma das mais importantes companhias aéreas nacionais.
Dos três ato, o primeiro é seguramente o mais problemático. Ao procurar apresentar a infância de Marcelo (Wagner Moura) e o peso que a figura paterna exerceu na personalidade do menino, a direção estreante de Toniko Melo esbarra na forma apressada como desenvolve o conteúdo e na caracterização forçada de um Wagner Moura que, mesmo com todo seu talento, não passaria por garoto de forma crível. As falhas inicias são lamentáveis não porque se dão de maneira absolutamente grosseiras, mas por tratarem com certo desleixo a fase mais rica para a introdução e composição do personagem. Nela é que ficamos sabendo da fixação do garoto pelo pai e a habilidade para simular a voz de outras pessoas, como quando mostra saber com prazer o nome dos principais aeroportos e imita a voz de um colega de classe, respectivamente. Igualmente equivocada é a escolha de apresentar detalhes e aspirações do garoto majoritariamente por discurso imotivado em detrimento das representações cinematográficas, o que revela o ponto mais fraco de todo o filme.
A partir do segundo ato, no entanto, VIPs consegue estabelecer uma narrativa mais segura e os pontos fortes começam a se destacar. Consertando eventualmente buracos deixados anteriormente, acompanhamos Marcelo deixar a vida com sua mãe e embarcar em busca de um aeroclube pequeno, no qual possa começar a pilotar. Neste instante, dois traços marcantes da personalidade do garoto passam gradualmente da impressão inicial para fixarem-se como propriedades do personagem. Marcelo, que já vimos queimar fotos das viagens do pai a pedido da mãe, faz passar-se por outra pessoa com o intuito de conseguir gratuitamente a viagem de ônibus. Assim, com a sutileza merecida, os indícios da influência paterna e a habilidade para ludibriar as pessoa são reiterados dentro da evolução da própria narrativa, sem que cenas aleatórias sejam introduzidas.
Estes traços da personalidade do protagonista vão se solidificando ao passo que, ao tornar-se homem de confiança de traficantes paraguaios, Marcelo passa a chamar-se Carrera. Derivada do boné que utiliza, a referência arrojada é para o jovem mais do que uma simples alcunha. O garoto introvertido do início do filme some detrás de um homem confiante, competente e digno de liderança. Carrera é o que Marcelo sempre quis ser, porém este não existe mais. O que para nós são claramente etapas da vida, para o personagem é como se cada estágio vivenciado correspondesse a uma vida por completo. Marcelo, portanto, não é simplesmente um garoto a procura de si próprio, mas alguém muito mais próximo a um Tom Ripley.
Após problemas no Paraguai, Carrera é forçado a retornar ao país. A morte do piloto de cabelos extravagante se dá nesse momento e uma outra vida tem de ser criada a partir do nada. Marcelo assume, então, a identidade de filho do dono de uma companhia aérea importante. Neste instante, VIPs retoma sua cena inicial, quando Wagner Moura aparece sobrevoando o carnaval de Recife. A cena, aliás, é outro bom momento a contar positivamente para o projeto, pois a seqüência na qual o protagonista se distingue dos foliões na multidão das ruas é um alerta de que nos deparamos com um personagem diferenciado, ainda que somente entenderemos isso com o andamento do filme.
Em meio a cenas que nos decepcionam pela ineficiência – como a passagem em que Baña recebe ordens para ajudar Marcelo – e outras que nos surpreendem – como na elipse da água do rio, no final do segundo ato, para a chuva do reencontro com a mãe – VIPs demonstra um trabalho simbólico bastante apurado. O bar chamado Ícaro, a bola com desenhos de aviões nas mãos do garoto, as fotos de personalidades no salão de beleza da mãe. Todas estas referências, mesmo quando não encaixadas com a naturalidade na narrativa, são pontos positivos e demonstram a maturidade do roteiro de Bráulio Mantovani (Tropa de Elite) e Thiago Dottori.
Quando perguntado por que não aceita os convites para trabalhar em Hollywood, Wagner Moura costuma responder que os papéis que gostaria de fazer são sempre destinados a Javier Bardem. Antes de ser um coadjuvante lá, ele prefere ser um protagonista aqui. Se não bastasse Tropa de Elite, VIPs garante que a decisão não poderia ser mais acertada. Sorte nossa. Azar deles.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Willian Silveira | 7 |
Edu Fernandes | 6 |
Francisco Carbone | 5 |
Alysson Oliveira | 4 |
Cecilia Barroso | 5 |
MÉDIA | 5.4 |
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