Crítica
Leitores
Sinopse
À frente das operações que visam desbancar um esquema ilícito de jogos de azar, um policial é forçado a assumir o disfarce de apostador, período em que utiliza o seu enorme talento para a jogatina. Mas, será que ele cabe ali?
Crítica
Homenageando os estilos de Quentin Tarantino e Guy Ritchie, o cineasta brasileiro Caio Cobra faz de Virando a Mesa um daqueles filmes que deveriam nos ganhar pela capacidade de articular o absurdo, embora a sua premissa seja bastante simples. Jonas (Rainer Cadete) é o policial infiltrado num inferninho em busca do acesso à jogatina ilegal que acontece na surdina. O passe é um saco com R$ 50 mil, valor conseguido com seus superiores. Portanto, é dinheiro da polícia. Mas, seu melhor amigo, Naldo (Rafael Losso), faz uma proposta: por que não pegar mais R$ 50 mil emprestados com um gângster e duplicar as possibilidades de ganhos? Claro, aí também serão duas vezes mais riscos. Partindo disso, temos algumas possibilidades, entre elas: elaborar algo na fronteira nebulosa entre a criminalidade, a contravenção e a malandragem; desvendar um submundo tomado de figuras bizarras que vão sendo adicionadas com o propósito de aumentar a lógica do absurdo. E o realizador tenta fazer tudo isso. Porém, falta charme e intensidade ao seu trabalho, justamente atributos dos melhores filmes da dupla à qual ele faz óbvios empréstimos. O resultado da cópia-carbono tarantinesca-ritchiniana é uma história em que os acúmulos geram apenas a sensação vazia de excesso, desprovida de tensão e repleta de personagens genéricos que respondem a arquétipos mal reelaborados.
O primeiro ponto frágil de Virando a Mesa é o desempenho de Rainer Cadete. Seja pela fraqueza do material (o roteiro) que ele tem à disposição, pelas orientações da direção ou em virtude de escolhas próprias de composição (talvez os três motivos), seu personagem vira uma figura quase sem vigor, sequer como caricatura. O ator até tenta imprimir uma aura descolada ao policial capaz de fazer piadinhas e tirar sacadas espertinhas da cartola mesmo quando o mar não está realmente para peixe. No entanto, esse traço de personalidade não é páreo à pobreza dos diálogos repletos de frases feitas e às resoluções repentinas de uma mirabolância meio forçada demais. Intérpretes tarimbados como Stepan Nercessian, Antônio Grassi, Cláudio Manoel e Juarez Malavazzi Jr. ainda conseguem extrair resultados melhores ao criar figuras que se equilibram intencionalmente entre o perigoso e o ridículo. Não à toa, formam a ala "funcional" do elenco. E, verdade seja dita, Rafael Losso também tira leite de pedra com um coadjuvante igualmente desgraçado pela pobreza de ideias. Já os demais membros do time apresentam atuações quando muito corretas dentro dos caminhos tortos que lhe são propostos. Monique Alfradique tem uma boa cena de sedução do protagonista (a das luzes azuis e tatuagens falsas), mas não se torna a femme fatale. Ela é restrita a interesse romântico do mocinho.
Há pelo menos uma cena escrachadamente tarantinesca em Virando a Mesa: o momento em que os jogadores conversam sobre a desconfiança de um deles quanto aos canhotos. Se trata de uma dinâmica evidentemente alusiva aos instantes inusitados nos quais os personagens de Quentin Tarantino têm um bate-papo beirando o irrelevante que quebra o gelo das situações tensas – como a explanação sobre uma música da Madonna em Cães de Aluguel (1992) ou o esclarecimento do sistema métrico francês em Pulp Fiction: Tempo de Violência (1994) –, geralmente entre um crime e outro. No entanto, falta ao filme de Caio Cobra a geração prévia dessa tensão a ser rompida pelo diálogo non sense. A falta de preparação da atmosfera transforma a conversa tosca num colóquio ridículo que não leva a lugar nenhum. Portanto fica a lição: para obter esse estranhamento, não basta introduzir banalidades durante o perigo ou na iminência dele. E de Guy Ritchie o brasileiro parece sugar o gosto por pessoas que habitam um submundo de quinta categoria. Com a ressalva de que nos melhores anos da carreira do britânico Ritchie, isso estava a serviço da construção de uma ideia particular de decadência. Aqui, o sobrevoo pelas vielas e labirintos da criminalidade parece uma visita guiada por um arremedo de mundo deteriorado moral e fisicamente. Falta ao realizador o estilo para gerir essa sua realidade saturada.
Ainda da perspectiva da comparação com os cinemas de Quentin Tarantino e Guy Ritchie, Virando a Mesa carrega outros ingredientes que consagraram os colegas norte-americano e britânico de Caio Cobra. Durante a perseguição que fica mais deliberadamente insensata, podemos esperar reviravoltas, traições, gente chegando para entornar o caldo, tiros, capangas acionados, conversinhas moles que antecedem as mudanças drásticas de rumo e uma atenção especial ao estilo com que tudo isso acontece. No entanto, a singularidade que funciona em Snatch: Porcos e Diamantes (2000), por exemplo, aqui se resume a um bando de extravagâncias e diálogos mal travados em processo burocrático de acumulação. Os atores (sobretudo os mais novos) empostam suas falas com dicções que às vezes beiram o declamatório. É difícil “comprar” Jonas como uma figura trágica ou mesmo enquanto um sujeito descolado que transita habilmente entre a legalidade e marginalidade. Essa quase nulidade do protagonista compromete bastante o resultado. O filme é às vezes parcialmente salvo por um instante excepcional de inspiração de alguém ou em virtude de uma caricatura bem desenhada que sobressai nesse universo caótico. Mas, em suma, o longa progride sem veemência rumo a um encerramento tampouco impactante. Caio Cobra não faz nenhuma questão de adaptar o itinerário e os procedimentos de suas inspirações para o Brasil, tentando assim criar algo “internacional”, eufemismo para essa reprodução que carrega certos traços de homenagem e outros de cópia ruim, além de centelhas raras de personalidade própria.
Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)
- Megalópolis - 1 de novembro de 2024
- Corisco & Dadá :: Versão remasterizada entra na 3ª semana em cartaz. Descubra onde assistir - 31 de outubro de 2024
- Continente :: “A violência nesse filme é ambígua e às vezes desejável”, diz o diretor Davi Pretto - 31 de outubro de 2024
Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Francisco Carbone | 3 |
Leonardo Ribeiro | 3 |
MÉDIA | 3 |
Universo caótico em que há trapalhadas atrás de trapalhadas.
Crítica perfeita!! Achei o filme bem fraco. Conexão zero. Não gostei nem do roteiro e nem da direção. Monique Alfradique sem sexy appeal. Rainer Cadete foi mal escolhido, não tem o perfil do personagem.