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Crítica


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Sinopse

Uma jovem bartender do Bronx, uma mãe de luto em Nevada e uma enfermeira do Missouri se juntam a um movimento de candidatos insurgentes com a intenção de desafiar os poderosos do Congresso Americano. Sem nenhuma experiência política prévia, financiamento de campanha ou parcerias com grandes mídias, elas conseguem realizar uma mudança no cenário político considerada praticamente impossível por opositores.

Crítica

Virando a Mesa do Poder constitui um documentário polido. Pelo termo, compreende-se primeiro uma noção de refinamento: os produtores dispõem de evidentes recursos para filmar as quatro candidatas a deputadas através de confortáveis recursos de câmera, som e iluminação. A bela vinheta de abertura, as eficazes animações com mapas dos Estados Unidos refletem a pós-produção bem cuidada. A ideia de polimento, no entanto, também se traduz na educação excessiva, no comedimento e na elegância, o que se torna um problema ao representar os aspectos mais perversos da política partidária. Este documentário pretende apresentar histórias de sucesso e de resiliência, repletas de encorajamento ao público. No entanto, evita incomodar quem quer que seja.

A diretora Rachel Lears elege quatro mulheres sem experiência prévia na política, disputando vagas dentro do partido Democrata contra homens que dominam suas regiões há décadas. Estes contam com o apoio de empreiteiras e grandes empresas, enquanto as novatas trazem apenas a vontade de transformar o sistema eleitoral via debates, redes sociais e a tradicional política porta a porta. O embate é claramente desigual, razão pela qual este projeto privilegia o único caso em que a vitória se concretizou: a eleição de Alexandra Ocasio-Cortez em Nova York, contra um veterano que sequer se empenhou em sua campanha, tamanha era a certeza da vitória. A batalha simbólica de Davi contra Golias ficcionaliza o procedimento enquanto oferece uma recompensa emocional: é fácil ao espectador se identificar com a corajosa lutadora contra um sistema rico e viciado.

O roteiro faz questão de humanizar Alexandra e as demais candidatas (Amy Vilela, Cori Bush e Paula Jean Swearengin) sem descrever ao certo contra o quê, ou contra quem, elas se opõem. Esta se torna uma deficiência central de Virando a Mesa do Poder: ao adotar apenas o ponto de vista das protagonistas, sem permitir vozes dissonantes nem análises distanciadas, o resultado não se separa tanto de uma propaganda política das quatro mulheres. É possível defendê-las em oposição a outro projeto, mas a cineasta efetua um projeto sobre política que evita entrar nos meandros das políticas locais. Em uma cena, Swearengin afirma ser filha de mineiros, enquanto o candidato local é financiado por mineradoras. Em outro momento, Ocasio-Cortez mostra incongruências na postura de seu candidato em relação à invasão no Iraque. As análises param por aí: Lean adota sobretudo a retórica do grupo novo contra o velho, do puro contra o corrompido, das mulheres jovens contra os velhos homens brancos e arrogantes.

Esta articulação é tão simples para a compreensão do público quanto desprovida de contexto. Pode-se supor que o filme vise se comunicar especialmente com o público sem muito apreço pela política, razão pela qual recorre a binarismos de fácil assimilação. Especialmente, transforma Ocasio-Cortez em sua grande estrela, reduzindo as três outras candidatas a coadjuvantes com pouco tempo de tela. Quanto às dezenas de outros candidatos pertencentes ao mesmo movimento de renovação, eles sequer são mencionados. O discurso louva o exemplo vencedor da protagonista sem se debruçar na derrota das dezenas de outros candidatos que adotaram estratégias semelhantes. Como apreender a partir deste amplo experimento sem observar todos os casos – ou ao menos mencioná-los? Lean jamais propõe uma visão estratégica dessa empreitada. Não se compreende de que modo exatamente Ocasio-Cortez venceu, enquanto outros falharam, de modo que não se poderia levar seu exemplo adiante. O documentário oferece acima de tudo uma lição moral: persista, e um dia seus esforços darão certo.

Este otimismo ingênuo se estende à estética do filme: quando as mulheres partem no que chamam de “turnê” pelos Estados Unidos, a música adota um tom de autoajuda, muito próximo do clipe motivacional, enquanto os trechos da vida privada destas mulheres são explorados unicamente em sua capacidade de conexão emocional: descobrimos aquela que perdeu o pai, a outra que perdeu a irmã, e as aulas de piano de Ocasio-Cortez na infância. Eventuais erros de percurso ou trechos menos valorativos são omitidos. Quanto à política de fato, cita-se ameaças veladas, assinaturas desconsideradas e outros tipos de fraudes graves, mas apenas em casos que tenham atingido outros candidatos, como histórias ouvidas de terceiros, de longe. O filme evita sujar suas mãos, e foge a todo preço do tom de denúncia. Assim, observa a máquina enferrujada da política pelo prisma único da esperança – algo traduzido em símbolos lúdicos, como a recém-eleita candidata andando de patinete em frente à Câmara. Dias melhores virão, basta continuar tentando. Como eles virão, exatamente, ainda não se sabe.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
6
Wallace Andrioli
6
MÉDIA
6

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