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Crítica


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Sinopse

Totoral é uma vila peculiar, praticamente apartada do restante da civilização. O desparecimento do vento, dos pássaros e do calor, noutro lugar potencialmente tido como maldição, ali é uma dádiva.

Crítica

Em Viver Lá, coprodução Chile/Brasil, o homem é coadjuvante da natureza. A existência das pessoas que vivem numa região tão erma quanto bela é condicionada pela paisagem, está submetida a ela, como bem pode se notar a partir dos vários planos abertos em que a geografia se agiganta, apequenando moradores quase ao ponto de indetermina-los. São poucos os instantes em que a câmera se aproxima da gente, inclusive se atendo rapidamente a elementos que não a repetição de uma rotina condicionada pelas características do terreno. A cineasta Javiera Veliz Fajardo mostra, especialmente, um pastor de cabras deambulando por espaços íngremes, tendo dificuldade, em virtude da idade avançada e dos problemas de locomoção dela decorrentes, para vencer os desafios do campo. Intrínseco à mirada absolutamente poética, o decurso do tempo nesse ambiente peculiar, a quebra da expectativa por ocorrências vitais e episódios que ofereçam viradas dramáticas.

Viver Lá exige atenção do espectador e vale o quanto o impacta liricamente a partir da rarefação deliberada. São pouquíssimos diálogos – boa parte deles apenas burocrática –, tomadas bastante parecidas e uma observação menos atenta à superfície, pois disposta a extrair, paulatinamente, daquele cotidiano modorrento algo de ontológico. O procedimento mais potente do longa-metragem, e que aponta à prevalência da plasticidade sobre qualquer outro componente narrativo, é a fusão imagética proporcionada pela montagem. A sobreposição de quadros permite a concepção de terceiros horizontes, imaginários, num dispositivo que atinge resultados belíssimos em certos instantes e colabora à instauração da atmosfera de elevação, então desprendida da abordagem singular. Todavia, se trata de um filme evocativo, não particularmente provocativo. Há uma frequente de estagnação, sintomática, por certo, mas nem sempre significativa o suficiente.

Nesse processo de encarar a natureza como soberana, dispondo o humano enquanto partícipe dessa mimese com enormes liberdades poéticas, Viver Lá circunscreve os agricultores e pastores como engrenagens de uma estrutura maior, cujo funcionamento está atrelado à ideia de harmonia. Não há algo que perturbe o dia a dia desses sujeitos, quiçá o desagarre ocasional de um animal, o que obriga seu respectivo dono a encarar o solo arenoso e íngreme a fim de restabelecer o equilíbrio. Todavia, Javiera Veliz Fajardo, mesmo que mereça elogios por manter-se fiel à ideia de um cinema poroso, no qual as conclusões importam menos que a fruição de um clima particular, acaba incorrendo em dinâmicas demasiadamente repetitivas. Num curtíssimo espaço de tempo já é possível engajar-se na proposta. Logo, a reiteração de mecanismos soa um tanto cansativa. Algumas metáforas, como a que equivale humanos e árvores, fazem bem nesse conjunto de abstrações.

Na tarefa hercúlea de projetar na telona uma visão íntima daquele espaço, bem como da atuação invisível do tempo, Javiera Veliz Fajardo demonstra habilidade para justapor imagens com intenções dramático-expressivas. O som, que poderia ser um aliado mais preponderante, acaba desempenhando uma função claudicante, ora intensificando a relação humano/natureza – vide os berros das cabras rimando com as manifestações verbais dos pastores no exercício das funções –, ora tentando substanciar a relevância daquilo que é impalpável, como o sibilar intenso do vento, por exemplo. Viver Lá não está em busca de respostas, mas de reproduzir cinematograficamente imaterialidades, tais como a sensação de equilibrar-se nesse lugar apartado da ansiedade característica das metrópoles. Às vezes cala fundo, comunicando-se com a nossa sensibilidade pelo modo de valorizar os gestos. Noutras, soa como um extenuante filtro subjetivo do real.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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