Crítica
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Sinopse
Chengdue, China. Uma pequena trupe de ópera é surpreendida com a notícia de que o velho teatro em que costuma se apresentar será demolido. Temendo pelo fim da companhia, a administradora Zhao Li resolve procurar um novo lugar onde possam seguir com o show.
Crítica
Os primeiros quinze minutos deste drama são espetaculares, tanto no sentido estrito do termo – pelo foco nos espetáculos de uma trupe de ópera ambulante – quanto no figurado: as imagens proporcionadas pelo diretor Johnny Ma são estupendas. Trabalhando com planos fixos, ele coloca o espectador, inicialmente, na posição de espectador do show e, em seguida, de cúmplice dos bastidores dos ensaios destes artistas. Cada enquadramento parece milimetricamente pensado para incluir os objetos de cena, os acrobatas ensaiando em primeiro plano, as dançarinas se maquiando logo atrás, a gerente da trupe observando a todos mais ao fundo. A imagem está repleta de camadas, com diferentes ações ocorrendo em níveis distintos. Dentro de cada quadro, existe uma infinidade de estímulos narrativos e sensoriais oferecidos ao espectador.
Aos poucos, no entanto, a descrição do cotidiano dos artistas se acalma. A sucessão de cenas silenciosas em termos de diálogos, porém ricas em ações e descrições, cede espaço à instauração de um conflito central: a ópera não é mais tão popular na China, de modo que os artistas atravessam uma crise financeira. Caso não encontrem uma solução, correm o risco de fechar as portas e terem o prédio onde se apresentam demolido pela prefeitura. As imagens fixas cedem espaço a planos móveis e câmera na mão, o silêncio é preterido em favor da introdução gradativa de diálogos, e o deleite estético das composições se substitui às necessidades do melodrama: tia e sobrinha brigam sobre o futuro do grupo. Devem se modernizar, ou permanecerem fiéis às tradições? Devem sair dali, ou representarem a resistência no bairro abandonado? Esta é a hora de olhar para o passado ou para o futuro?
A proposta arrojada do início se acomoda num formato um pouco mais tradicional, ainda que não desprovido de interesse. O cineasta guarda diversas cartas na manga: após o realismo social, introduz instantes de realismo fantástico; após um discurso inspirador da protagonista nos palcos, oferece uma longa sequência de magia, digna de uma superprodução com artes marciais. Em oposição à demolição naturalista dos imóveis vizinhos (com luz natural, dias nublados, filmagem à distância dos prédios centralizados, de modo protocolar) ele fornece a imagem sonhada do prédio dos protagonistas explodindo pelos ares em câmera lenta, num espetáculo comparável àquele dos artistas, ao som de “Ave Maria”. A narrativa pode não ser muito coesa, porém revela a vontade louvável de provocar choques na percepção do espectador.
Talvez as mudanças frequentes de registro representem a força e a fraqueza de Viver para Cantar. Por um lado, injetam na obra um vigor juvenil, do tipo que se importa pouco com as normas e as noções de “bom gosto”; por outro lado, impedem que qualquer uma destas vertentes se desenvolva. Há muitos filmes dentro do filme, como se o pot-pourri proposto por Ma representasse a síntese utópica de tradição e modernidade buscada pelos artistas. No impasse entre o conservadorismo da tia e a desapego da sobrinha, o filme escolhe ambos ao mesmo tempo. Enquanto ponto de vista cinematográfico, isso significa abraçar o máximo de estilos que Ma consegue embutir na mesma trama. Enquanto visão de mundo sobre o estado atual das artes, implica numa saída poética, tão afetuosa quanto pouco realista – uma espécie de desvio lúdico ao impasse proposto pelo próprio filme.
A ficção permite portanto que a noção de crise, determinante aos rumos de seus personagens, contamine a narrativa e a estética, sempre dispostas a se reinventarem. Esta escolha se transmite na conclusão, quando diversos finais válidos, todos muito belos, se sucedem diante do espectador, como se a montagem não conseguisse optar por um deles. Talvez estes desfechos se completem, se anulem ou se repitam, de acordo com o ponto de vista do espectador. Existe uma saída realista, outra fantástica, e ainda uma ingênua, quase infantil. De qualquer modo, diante das bifurcações abertas por si próprio, Ma defende a conciliação entre opostos, a possibilidade de harmonia em meio ao caos.
Os conflitos não se resolvem propriamente, apenas se suspendem, ou se metamorfoseiam num sonho onde toda forma de arte é possível. Trata-se de um caminho romântico, ou talvez pouco corajoso caso interpretado como fuga, política e social, do dilema da precariedade artística. Ma tem muito a sugerir e filmar, dominando estilos diversos ao longo de uma mesma projeção. No entanto, quando chega a hora de veicular um discurso coeso sobre o estado das artes do espetáculo – que representam, em última medida, o próprio cinema – ele se esquiva da responsabilidade de fornecer uma leitura política. Para o bem ou para o mal, o diretor prefere sua jornada otimista de livre associações.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 7 |
Chico Fireman | 6 |
Alysson Oliveira | 7 |
MÉDIA | 6.7 |
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